O sujeito, caminhoneiro trabalhador, que labutava ao longos dos anos, cortando estradas Brasil afora, viveu algumas cenas um tanto engraçadas.
Um grave defeito mecânico na carreta o obrigara a deixá-la numa cidadezinha bem próximo a Porto Alegre, lá no Rio Grande do Sul. O conserto demoraria uma semana, no mínimo.
Com saudades da família, resolveu que voltaria de avião. Nunca voara! Seria sua primeira vez! Um arrepio percorreu-lhe a espinha dorsal, retesando-lhe a nuca. Dava medo!
Todavia, mineiro dos bons, não se deixou intimidar! O perigo era o companheiro de todos os dias. Certamente, pensava ele, "andar" de avião não seria mais perigoso que enfrentar a estrada, as noites mal dormidas, o cansaço na boléia solitária, as ameaças de roubos e sequestros e a distância da família.
Uma semana, parado ali, o obrigaria a gastar um bom dinheiro. E ele era um tremendo "pão duro". Sua sovinice o impulsionara a voltar de avião, pois também teria que receber algum dinheiro nos próximos dias, resultado de uma negociação que fizera. Perder dinheiro era algo impensável. Era imperativo que voltasse!
No aeroporto já estranhou o movimento intenso, os anúncios engraçados na voz da "locutora em êxtase". E admirava aqueles "grandalhões" no pátio. O medo já não era tão intenso. Fora trocado pelo frenesi da ansiedade.
O voo estava lotado! Ele, como nada conhecia, fora alojado na poltrona do meio! O pior de tudo era que, por ser uma tarifa promocional, chegaria a São Paulo à noite e a viagem prosseguiria, num outro voo, para Belo Horizonte, ainda de madrugada.
Quando o avião levantou voo, ele viveu a pior sensação. Parecia que o "bicho" subia, mas ao mesmo tempo parecia querer descer. "Senhor do Bom Jesus", ele resmungava. "Fincou" os pés no apoio da poltrona, tomou com as mãos os apoios laterais, fez toda força do mundo, trancando a cara, até que o avião se estabilizou. Aí começou a se acalmar!
Na poltrona da janela, uma senhora idosa, com semblante de pura generosidade, o olhava com paciente ternura. Do outro lado, no corredor, um jovem com fones no ouvido, parecia nem enxergá-lo.
E assim foi, num céu de brigadeiro, a tranquila viagem, sem solavancos.
Vieram os lanches! A "aeromoça" serviu à senhora um suco e uma refeição rápida. O jovem aceitou um refrigerante e a refeição. Ele recusara tudo.
- Senhor! Não quer mesmo? Suco, cerveja? Nem mesmo uma água?
Nada! Ele recusara! Estava até com fome, mas não aceitou. O pior era suportar o cheiro da comida em ambos os lados. Que sofrimento aquilo! Dava água na boca de vontade!
Algum tempo depois, volta a comissária de bordo oferecendo suco, água ou outra bebida. A senhora ao lado pediu mais suco. O jovem preferiu água. Ele, mais uma vez, recusou. Estava com sede, mas recusou!
Mais algum tempo e o avião já inicia os preparativos para o pouso. Em alguns poucos minutos já estariam em terra.
Aquela senhora então não se conteve! A curiosidade falou mais alto e resolveu que devia fazer a pergunta:
- Vejo que é a sua primeira viagem de avião! Viu como é tranquilo? Agora, me perdoe, mas estou muito curiosa! O senhor não comeu nada durante toda a viagem! O senhor tem algum problema que o impede de comer?
Ele, já mais descontraído, triunfante ante a experiência de voar pela primeira vez, responde:
- Não senhora! Tenho problema nenhum não! Não comi porque essa comida que serviram deve ser cara demais! A moça nem falou o preço! Imagina na hora de pagar a conta? Deve ser um absurdo de caro!
- Meu Senhor! Não custa nada não! Tudo isso que foi servido, o senhor já pagou! Está tudo embutido na passagem que o senhor comprou!
Ele aí não aguentou! Uma sonora indignação foi exclamada!
- "Putamerda"! E eu tô morrendo de fome e de sede! Agora num tem jeito mais!
Não foi possível indiganar-se mais ainda. A contrariedade foi logo interrompida pelo comandante:
- Senhoras e senhores, aqui é o comandante. Fui informado, por nossos agentes em terra, que o voo que seguiria para Belo Horizonte não será realizado nesta noite, por problemas de manutenção da aeronave. Por favor, ao desembarcarem, recolham seus pertences e serão orientados, no saguão, pelo nosso pessoal de apoio.
- Só faltava essa! - Resmungou o pobre aventureiro!
Interrompido nos pensamentos pela descida brusca do avião, assustou-se com as frenagens inquietas, mas logo passou.
No saguão fora orientado a dirigir-se a um determinado hotel e recebeu um "voucher" para o jantar.
No hotel, a recepcionista o acolheu carinhosamente, com um largo sorriso na face. Bateu a palma da mão em um "sininho" e logo um sujeito idoso de cabelos branquinhos aproximou-se, querendo tomar-lhe a pequena mala. Ele recusou-se a entregá-la. Aguarrou-a firme. Ainda assim, mesmo estranhando, não teve como impedir a companhia daquele senhor até o apartamento. Lá foi orientado sobre o uso da tv, do telefone e do banheiro, frisando que, qualquer pedido poderia ser solicitado no ramal 9.
Após o jantar, retornou ao quarto e reparou no frigobar que estava repleto de guloseimas. Lá pelas tantas da noite, não conseguindo dormir, começou a devorar tudo que encontrava pela frente. A cama era macia demais e ele já sentia saudade da sua solitária boleia de caminhão. Saudade da poltrona, do cheiro de óleo, do barulho da estrada.
E, enquanto ruminava em pensamentos, não parava de comer e beber! Até "aquelas garrafinhas" de bebidas, que mais pareciam enfeites, ele esvaziou. Não restou nada! Depois, lembrou-se das orientações do "bom velhinho" e ainda pediu mais bebidas e petiscos.
No outro dia, pôs-se de pé bem cedo. Tomou café e apanhou a pequena mala de mão que carregava. Passou pela portaria, dirigiu um muito obrigado ao recepcionista e tomou direção da rua, onde a "van" já aguardava os passageiros daquele fatídigo voo.
Teve a impressão de que alguém o chamara pelo nome. Mas ali ninguém o conhecia, então continuou rumo à saída. Quando já se aproximava da porta principal, ouviu que o chamavam, mais alto e ainda acrescentaram o número do apartamento como sobrenome.
Não havia dúvidas. Era ele! Voltou-se, acenou afirmativamente e retornou ao balcão.
- Senhor! Consta aqui nos nossos controles que houve consumo no frigobar! O senhor precisa acertar essa conta!
O intrépido caminhoneiro, aventureiro de outros mundos, mesmo sem entender, pegou a conta que já lhe beirava a face e deu um pulo!
- Que isso moço! O senhor "deve de tá" enganado! É muito dinheiro! O pessoal do avião me deu aquele papel que entreguei na janta! Já tá tudo embutido! Já foi pago! Tudo embutido! Isso aqui é dinheiro demais!
Pacientemente o recepcionista, ainda que com vontade de soltar boas gargalhadas, respondeu-lhe:
- Não, senhor! Aquele papel, o "voucher", era para o jantar ou lanche e hospedagem! O consumo é por sua conta! Não está incluido não!
A ficha caiu! Teria mesmo que bancar a conta! No avião, onde tudo era de graça, não quis comer. No hotel, onde tudo deveria ser pago, comeu tudo que queria. Sentiu-se ludibriado, mas como bom e honrado mineiro, pagou a conta e fez ali uma promessa:
- Num ando mais nesse tal de avião! Esse trem até que é bão, mas é caro demais! O povo enfia a mão sem dó. Cobra barato lá, caro aqui. Não! Agora é que só ando de caminhão!
E lá foi ele, cumprir o restante da jornada, chegar em casa, rever a família. E prometera a si mesmo que no resto da viagem iria comer. Porém, o que importava era a saudade da sua boleia que já apertava no peito. Não havia lugar melhor que aquele! E bem mais barato!
Gilmar,
ResponderExcluirgostei desse 'causo', coitado desse mineirinho, Sentiu-se ludibriado, não deixa de ser engraçado..
Se vc me permite,
Recebi por email um texto intitulado:
DECLARAÇÃO MINEIRA DE AMOR AOS AMIGOS, dedico-o a vc:
"Ocê é o colírio du meu ôiu.
É o chicrete garrado na minha carça dins.
É a mairionese du meu pão.
É o cisco nu meu ôiu (o ôtro oiu - tenho dois).
O rechei du meu biscoito.
A masstumate du meu macarrão.
Nossinhora! Gosto dimais DA conta docê, uai.
Ocê é tamém:
O videperfume da minha pintiadêra.
O dentifriço da minha iscovadidente.
Óiprocevê,
Quem tem amigossim, tem um tisôru!
Ieu guárdêsse tisouro, com todu carinho,
Du lado isquerdupeito !!!
Dentro do meu coração!!!
AMO Ocê, uai!!!"
Poesia pura... hehe!
Bjs!
Muito bom. Bem ingênuo. Fazer o que não é?...rs
ResponderExcluirbeijos
Tadinho, Gilmar. Ai, que sacanagem! Fiquei aqui com o coração apertado. Pu.. sacanagem!
ResponderExcluirMais um pro livro de contos, han? Hehehe...
Nossa, que beleza de narrativa. Prossiga explore, ouse...
Bom fim de semana.
Michelle
Pobre homem.... ser miserável dá nisso mesmo!
ResponderExcluirhahahaha...
beijocas,
Mari.
Olá meu caro amigo Gilmar, sensacional essa história, muito bom humor, parabéns. Você alegrou a minha tarde chuvosa de sábado.
ResponderExcluirforte abraço
C@urosa
Se ele tivesse levado o queijo com goiabada não teria passado tantos apuros. Abçs.
ResponderExcluirA primeira vez é assim mesmo,srssrrsr
ResponderExcluirMuito bom esse texto,srsrrsrsr
Tenha um ótimo domingo.
Ai Gilmar, já vi que comecei o dia bem. Adorei! Tadinho... Quantos sustos! Ainda bem que ele não se assustou com as famosas e desagradáveis turbulências, né Gilmar? Só com as turbulências financeiras.
ResponderExcluirEle está certíssimo, nada como ter os pés no chão e o coração voltar a bater mais compassado.
Um abraço
E.T. Desculpe, mas tenho sérios problemas ao publicar comentários na sua página. Enfrento uma instabilidade. Não sei o que há.
Muito legal amigo, ver as aventuras e desventuras do caminhoneiro...
ResponderExcluirBom domingo e uma ótima semana...beijos...
Valéria
Boa tarde, Gilmar!
ResponderExcluirGaranto que muita gente já passou por situação parecida... rsrsrs.
Abraços e boa semana pra vc!
Deus seja contigo.
Hey, Gilmar!
ResponderExcluirVc sempre fazendo a gente rir com os causos que conta aqui.
Frigobares são armadilhas terríveis... rsrs.
Beijo grande e linda semana pra vc!
Gimar passei para conhecer seu blog ele é muito maneiro, espetacular com excelente conteúdo você fez um ótimo trabalho desejo muito sucesso em sua caminhada e objetivo no seu Hiper blog e que DEUS ilumine seus caminhos e da sua família
ResponderExcluirUm grande abrçao e tudo de bom
Vou viajar dia 08.10. Meu Deus estou com o coração na mão. Vai ser uma superação para andar nas alturas.
ResponderExcluirQuanto a sua perguntar em visitar os arquivos sem problemas.
Desculpe ea demora em responder. a Curiosa vai te esperar.
Estou na coletiva da Elaine.
Esta coletiva é maravilhosa. Compartilhamos sentimentos, alegrias e vidas. São emoções que caminham a lado a lado, do outro lado da telinha.
Ficarei muito feliz em ter você na Interação Amigos, trocando esses momentos tão especiais.
O MELHOR DE MIM, é quando penso na verdade, na alegria e procuro levar a Paz ao corações oprimidos e necessitados.
Principalemente frente a esta telinha chamada PC Virtual.
Vou te esperar por aqui.
http://sandrarandrade7.blogspot.com/2010/09/coletiva-o-melhor-de-mim1909.html
Somos realmente pessoas maravilhosas e cheias de qualidades. Cada uma do seu jeito e maneira.
As coletivas nos aproximam e formamos novos amigos. Como é bom conhecer pessoas lindas e maravilhosas. Parabéns. Ficarei feliz em te receber.
Desde já agradeço o seu carinho e visita.
Carinhosamente,
Sandra
hehehee... oooh dó do mineiro rs, mas as vezes é bem assim que as coisas acontecem né, é esse desastre tentar mudar muito o estilo de fazer as coisas rs, sem pensar bem... gostei muito do conto e agradeço demais o comentário! gde abraço amigo!
ResponderExcluirGilmar, muito bom o causo, mas fiquei com pena dele, afinal passou por isso tudo por puro desconhcecimento. Ainda bem que nos dias de hoje, as empresas já fazem um livrinho explicando tudo isso - rs.
ResponderExcluirUm beijinho
É como ensinar uma criança. Se bem que, neste seu conto, é um tanto pior, mais demorado. Difícil um adulto quebrar, "desgarrar" suas desconfianças. A ignorância não sede facilmente para o aprendizado, se bem que, às vezes, basta a rudez, reinando na inflexibilidade. Assim, deixa de curtir o lado bom da vida (a oportunidade de algum conforto, por exemplo, que nos alivia, vez ou outra, numa visão, numa idéia,...), de um modo geral.
ResponderExcluirGostei muito e achei muita graça...
Beijos.
Obs.: obrigada por tão generosos comentários.
Etâ trem cumpricado...
ResponderExcluirTadinho, Gilmar,
arguém pudia tê avisado ele, né messs, uaii?! Tê que passá um vexame des taman... El deve tê ficado mordevergonha...
rsrsrsr...um texto formidável... com toda a ingenuidade dos nossos mineirins que vem dos confins das Minas Gerais. Delicioso.
Quero também te parabenizar pelo belo comentário, muito bem escrito, de apoio ao querido Rê... ele merece e vc foi perfeito.
Beijokas.
Acho que muitos de nós também temos alguns "causos" de primeiro vôo que não ousamos contar, por vergonha... - risos.
ResponderExcluirUm interessante conto.
Abraço
Acho que muitos de nós também temos alguns "causos" de primeiro vôo que não ousamos contar, por vergonha... - risos.
ResponderExcluirUm interessante conto.
Abraço
Meu amigo Gilmar! Desculpe o atraso em vir lhe visitar, mas o motivo foi justo: batizado de minha afilhada, deixei tudo em Sampa e corri para o Rio! Três dias sem internet, até o celular quebrou! Que calmaria!! rsrs!
ResponderExcluirFui de avião, e fiquei pensando no pobre do nosso amigo mineirinho! Não precisamos ser simples para nos metermos em situações desajeitadas, basta que seja a primeira vez! Imagine qualquer um de nós indo para um país cuja a língua não dominamos? Seria um "ai Jesus" sem fim! rsrs! Um beijo da amiga, Deia
Gilmar
ResponderExcluirObrigada por nos oferecer textos tão agradáveis e sempre com um toque de humor fantástico.
Mineiro, pão duro e marinheiro de primeira viagem só podia dar nisso. Ainda bem que tudo acabou bem.
Beijos