quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Por um mundo melhor

Meus Rabiscos

Foto: Laços, de Raul Santos
O desafio, proposto pela Déia, do Rumo à Escrita, seria o de postar algo dizendo como se deseja que o mundo seja. Como esse mundo pode ser melhor. 
Por onde caminhar? Eis a grande indagação...

Enquanto educador, talvez pudesse proclamar os sonhos, ainda nutridos, cheios de esperanças, do aniquilamento das desigualdades e injustiças sociais. Da oportunização do saber, enquanto premissa inquestionável de toda e qualquer política educacional. E outros tantos sonhos ancorados numa visão abrangente de mundo.

Entretanto, os pés alicerçados num chão de inconformismo, ante horrendas transgressões humanas, não me permite tais voos. As absurdas atrocidades propagadas pelas mídias sensacionalistas encontram sempre, do outro lado, o ser humano, seja como expectador, autor, coadjuvante, "sentidor", "sentente", enfim, como ser que sofre o revés ocasionado por "atitudes" do seu semelhante.

Então eu me lembrei de uma pequena metáfora:

CONTA UMA POPULAR LENDA DO ORIENTE, QUE UM JOVEM CHEGOU À BEIRA DE UM OÁSIS, JUNTO A UM POVOADO E, APROXIMANDO-SE DE UM VELHO, PERGUNTOU-LHE:
– QUE TIPO DE PESSOA VIVE NESTE LUGAR?
O ANCIÃO, OLHANDO-O FIXAMENTE, RESPONDE COM UMA PERGUNTA:
– QUE TIPO DE PESSOA VIVIA NO LUGAR DE ONDE VOCÊ VEM?
– OH, UM GRUPO DE EGOÍSTAS, FALSOS E MALVADOS. – RESPONDEU O RAPAZ.
– ESTOU SATISFEITO EM HAVER  SAÍDO DE LÁ.
A ISSO O VELHO REPLICOU:
– A MESMA COISA VOCÊ HAVERÁ DE ENCONTRAR POR AQUI.
NO MESMO DIA, UM OUTRO JOVEM SE ACERCOU DO OÁSIS PARA BEBER ÁGUA E, VENDO O ANCIÃO, PERGUNTOU-LHE:
– QUE TIPO DE PESSOA VIVE POR AQUI?
O VELHO RESPONDEU COM A MESMA PERGUNTA:
– QUE TIPO DE PESSOA VIVE NO LUGAR DE ONDE VOCÊ VEM?
O RAPAZ RESPONDEU:
– UM MAGNÍFICO GRUPO DE PESSOAS, AMIGAS, HONESTAS, LEAIS, SINCERAS E HOSPITALEIRAS. FIQUEI MUITO TRISTE POR TER DE DEIXÁ-LAS.
– O MESMO ENCONTRARÁ POR AQUI – RESPONDEU O ANCIÃO.
UM HOMEM QUE HAVIA ESCUTADO AS DUAS CONVERSAS INDAGOU ENTÃO AO VELHO:
– COMO É POSSÍVEL? ELES DERAM RESPOSTAS TÃO DIFERENTES A UMA MESMA PERGUNTA?
AO QUE O VELHO RESPONDEU:
– CADA UM CARREGA NO SEU CORAÇÃO A CONCEPÇÃO DO MEIO EM QUE VIVE. AQUELE QUE NADA ENXERGOU E NADA ENCONTROU DE BOM NOS LUGARES POR ONDE PASSOU, NÃO PODERÁ ENCONTRAR OUTRA COISA POR AQUI. AQUELE QUE ENCONTROU AMIGOS ALI, TAMBÉM OS ENCONTRARÁ AQUI, PORQUE, NA VERDADE, A NOSSA ATITUDE É A ÚNICA COISA DA NOSSA VIDA SOBRE A QUAL PODEMOS MANTER CONTROLE ABSOLUTO.


Atitude! Eis a grande questão!

É preciso dizer, e com todas as letras, que as relações humanas se processam em vários e diferentes canais, muitas e muitas vezes em sentido divergente. Contudo, quando nessas relações há solicitude, apreço, lealdade e respeito, então é possível crer na intensificação de ações transformadoras. Quando ainda inclui uma sensível, cuidadosa e empática capacidade de escutar, então aí existe uma verdade, uma condição de liberdade que propicia a genuína fraternidade.

Sim, há consciência de que nenhuma realidade, qualquer que seja ela, por mais perversa ou difícil que possa se apresentar, muda-se da noite para o dia. Tudo é intensamente dinâmico na vida e o repouso, pura ilusão. Todavia, se cada um não impregnar de paixão as próprias utopias, então não se reconhecerá mais a "Face Humana". Estará decretada a insolvência da humanidade.

O "Mestre dos Mestres", onipotente, onisciente e onipresente, não reclama abrigo em palavras pomposas, tampouco em vestes ou lugares luxuosos. Não! É na simplicidade da atitude correta e congruente que o abrigo é reclamado. E nisso reside o convite para ser parte, tomar parte e fazer parte de um mundo melhor! Humanizado!

Que permaneça viva, então, a consciência de que aprender relações humanas significa uma ampla disponibilidade para viver intensamente cada um dos nossos semelhantes, desprovido de vaidades, estrelismos e arrogância, e que, ao contrário, há que se privilegiar a humildade para aprender a ler os gestos, as emoções, os sorrisos e as lágrimas, pois isso é o ser humano, isso é cada um de nós! Vale a pena repetir aqui Fernando pessoa: “Eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho de minha altura”.

Atitude!



Publicado originalmente em 11 de julho de 2010

domingo, 22 de fevereiro de 2015

O Jogo de Damas

Metáfora
Damas



Num remoto vilarejo da Europa Oriental, num dos dias de Chanuka, um respeitado rabino entrou na casa de estudos, num momento em que não o esperavam e encontrou seus discípulos jogando o jogo de damas, quando deveriam estar estudando as leis sagradas, como era o costume naqueles tempos.

Quando viram o Mestre ficaram confusos e sem saber o que fazer. Pararam o jogo imediatamente.

Um dos discípulos, envergonhado, tentou desculpar-se:

— Nos perdoe, Mestre. Apenas queríamos nos distrair um pouco!

O velho fez um gesto bondoso e perguntou:

— Vocês conhecem as regras do jogo de damas?

Como ninguém respondeu, ele mesmo tratou de responder:

— Vou lhes dizer quais são as regras: a primeira é que não se podem fazer duas jogadas por vez. A segunda, que somente se pode mover para frente e não para trás. A terceira, que quando se chega lá na ultima fila, você esta livre para ir aonde quiser.

E concluiu:

— Vocês estão aprendendo lições muito importantes sobre a nossa existência. Prossigam em seu jogo, por favor, prossigam...

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Loira na primeira classe



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Humor



Em um avião indo para Nova York, a comissária se dirige a uma loira sentada numa poltrona reservada, na primeira classe daquele voo, e pede para que ela se mude para a classe econômica, pois ela não tinha a passagem para aquele lugar que ocupava.
A loira replicou dizendo:

— Eu sou loira, eu sou bonita, estou indo para Nova York e eu não vou sair.

Não querendo abrir discussão desnecessária com a passageira, a comissária pede para o co-piloto para falar com ela.

E, com toda boa vontade, ele foi falar com a mulher pedindo que ela fizesse a gentileza de sair da primeira classe.

Novamente, a loira respondeu:

— Eu sou loira, eu sou bonita, estou indo para Nova York e eu não vou sair.

O co-piloto voltou para a cabine de comando e perguntou para o piloto o que ele deveria fazer.

O comandante lhe respondeu:

— Eu sou casado com uma loira e eu sei como lidar com isso. 

O comandante calmamente se dirigiu à primeira classe, abordou a loira e lhe sussurrou no ouvido algumas palavras...

Ela imediatamente pulou da cadeira e correu para o setor econômico resmungando para si mesma, sozinha e com cara de espanto:

— Porque ninguém me disse antes?

Surpresos, a comissária e o co-piloto perguntaram o que ele havia dito para a loira que a convenceu a sair tão rapidamente assim.

Ele disse:

— Eu disse a ela que a primeira classe não estava indo para Nova York!


domingo, 15 de fevereiro de 2015

O Amor Acaba




 Outros Autores
O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

Paulo Mendes Campos

Nota: texto extraído do livro "O amor acaba", Editora Civilização Brasileira – Rio de Janeiro, 1999, pág. 21, organização e apresentação de Flávio Pinheiro.