Ceilândia
01 de julho de 2005
Exmo.
Sr.
Deputado
Federal Alexandre José dos Santos
MD.
Presidente da CNEC
Brasília
– DF
Senhor
Presidente,
A
incumbência de escrever uma “Carta dos Sonhos” deveria parecer algo fácil e até
mesmo um simples ato de gestão, não fosse o desafio de legitimar os sonhos de
tantos outros que partilham a caminhada da FACEB.
Embora
toda reflexão exigida tenha sido oferecida, este Diretor ainda sofre com as
indagações que perambulam, em uma inquietude pedagógica e institucional, acerca
dos sonhos que são abrigados pela nossa Casa de Educação, a FACEB.
Como, Senhor Presidente, legitimar os sonhos dos
nossos funcionários? Daquele que limpa e higieniza os banheiros, que varre do
chão os resquícios de noites embriagadas do saber construído, diuturnamente, em
nossas salas de aulas. Que sonhos trazem essas pessoas? Que pessoas são essas?
Quais são as vidas que moram em cada um? Onde e como residem? Do que se
alimentam? Quais os seus conflitos existenciais? Que sonhos este Diretor, de fato,
pode legitimar em nome deles, de forma a assegurar-lhes a sobrevivência mínima
e a oportunidade de uma vida digna? Afinal, a contraprestação dos serviços nos
garante a satisfação do aluno, do professor e tantos que circulam pela “Casa”.
Como,
Senhor Presidente, legitimar os sonhos dos nossos docentes? Daquele que se
compromete, dia após dia, na construção de um projeto educacional ousado.
Daquele que não mede o tempo de servir, pois sabe bem o tamanho e significado
de sua missão. Daquele que sabe mediar o saber e provocar a apropriação do
conhecimento no outro. Que sonhos são esses, trazidos pela abnegação, pela
entrega constante que se faz a outros seres humanos? Daquele que crê, luta,
compromete-se visceralmente e não desiste quando tantos e tantos atropelos só
faz exigir ainda mais da sua coragem, bravura e dedicação. Quem são essas
pessoas? Que sonhos alimentam? Sabemos bem as competências que emprestam.
Sabemos bem a criticidade, maturidade e verdade que anunciam e vivem, mas
convenhamos, sabemos muito pouco dos sonhos mais profundos que hoje ocupam suas
almas.
Como,
Senhor Presidente, legitimar os sonhos de nossos alunos? São tantos e tão
distintos. Não nos trazem mais apenas a demanda pelo Ensino Superior. Há mais
buscas em suas vidas e há mais exigências sendo feitas. Há exclusões sociais a
serem superadas; há mãos repletas de calos, em cada casa, em cada família,
alimentando sonhos que nos foram confiados e alimentando-se de tais sonhos como
condição de ruptura de estigmas sociais, tão ardilosamente traçados por uma
sociedade que ainda teima desconhecer a vida que pulsa na simplicidade. Pessoas
com necessidades específicas e condições tão adversas. Ali, Senhor Presidente,
na nossa Casa de Educação, misturam-se as classes sociais e, por trás de todos
os intermitentes movimentos de pessoas que entram, que saem e que circulam, há
o que ressente a ausência de teto; há o que se desespera no desemprego; há o
que, deixando as celas de uma prisão, ainda sofre para alimentar os seus, mas
sabe que não pode sucumbir, caso contrário, só fará prevalecer profecias
auto-realizadoras; há os que residem em casas modernas, casas simples,
barracos, quartos ou quase nada disso.
Eu
me pergunto, Senhor Presidente, se cada passo dado cumpriu seu objetivo. Eu me
pergunto, a cada instante, se a nossa competência pedagógica, de fato, propicia
a transformação social que este país carece. Eu me pergunto, a cada noite,
quando sou o último a deixar a faculdade, se naquele dia um ser humano se
construiu diferente. Eu me pergunto, a cada instante que vejo as salas repletas
de alunos, se o brilho que hoje paira nos olhos de cada um, terá força
suficiente para resistir e jamais se apagar. Eu me pergunto, aula após aula, se
o conhecimento construído, por força da necessária consciência de transformação
social, não sucumbirá ou ainda, não será submetido a um estuário de
expectativas perdidas no tempo e no espaço.
O ato de educar é eivado de
tais complexidades e, com certeza, tantas indagações permanecem alimentando
sonhos e nos obrigando a, sistematicamente, ousar melhorias constantes, buscar
acertar os passos, aprender com as releituras cotidianas e jamais deixar de
sentir o cheiro de gente, que humaniza cada gesto e cada olhar lançado ao
futuro. Isso, Senhor Presidente, porque o ato de educar exige disponibilidade,
capacidade de abertura a si próprio e a outrem, capacidade de compreensão do
outro, na sua individualidade e na coletivização dos sonhos. É portanto e
sobretudo, um ato de extremada afetividade.
É
da tentativa de compreender tantos sonhos e desejos, todos eles abrigados em um
só ambiente, mas ainda assim complexo e distinto, que este Diretor ousa também
proclamar os seus sonhos, na esperança de um encontro realizador. O
conhecimento não se constrói apenas sobre o pronto e o acabado. Antes, sua
natureza nasce da pergunta, da falta de respostas, da incapacidade de dar a
solução, das hipóteses mal ou bem formuladas, dos desacertos e inquietudes. E é
do exercício da angústia profissional que as respostas podem ser construídas e sustentadas.
Assim,
este Diretor passa a sonhar os sonhos que não lhe pertenciam, mas foram
tornados seus, por força da responsabilidade atribuída e por força da crença no
ideário institucional, tão arraigados em seu ser. Assim, Senhor Presidente,
também os auspiciosos sonhos do Professor Felipe Tiago Gomes impregnam a alma
deste educador e deste gestor. Sou então instrumento, cujo maior desafio é o
enfrentamento das indagações nascidas do contexto de Ceilândia, para dar vazão
aos sonhos depositados em cada uma das 1.700 carteiras escolares espalhadas na
Casa de Educação e, também, de cada um dos funcionários e docentes, mas
sobretudo, de cada mínima parte da comunidade de Ceilândia e entorno que toma a
FACEB como lugar da construção de novas oportunidades de vida. Falo, Senhor
Presidente, do sentimento de pertença de nossos alunos! Falo de algo até então
não vivido.
E
que sonhos podem ser proclamados? Os sonhos que este educador ainda nutre,
cheio de esperança, do aniquilamento das desigualdades e injustiças sociais? Da
oportunização do saber, enquanto premissa inquestionável de todas e quaisquer
políticas governamentais? Tantos e tantos sonhos se colocariam agora ancorados
numa visão abrangente de mundo, mas os pés alicerçados num chão ceilandense já
reclamam efetivamente vôos mais simples, resignificados numa práxis educacional
capaz de operar mudanças contundentes.
Sonho uma faculdade de excelência, onde a marca
FACEB seja sinônimo de empregabilidade, onde o estigma social que ainda
consegue vitimar nossos alunos, seja extirpado e se reconheça a sua
competência, enquanto marca indelével de uma faculdade que ousou romper
paradigmas.
Sonho
uma infraestrutura que traduza os anseios, interesses e expectativas da
comunidade de Ceilândia, e entorno, e que possa permitir a expansão dos
serviços educacionais prestados, onde novos cursos sejam oferecidos, como por
exemplo, Direito, Serviço Social, Psicologia, Ciências Contábeis, Enfermagem,
Fisioterapia, Educação Física e Biblioteconomia – todos eles com demanda
potencial já constatada em pesquisas.
Sonho
e persigo a viabilidade econômica da FACEB, onde os recursos financeiros, hoje
tão escassos, permitam melhorias tecnológicas, pedagógicas e estruturais de
altíssima qualidade, provocando assim a performance inigualável de nossos
serviços.
Sonho
a faculdade enquanto espaço de construção da cidadania, no sentido mais
extremado que a expressão possa alcançar, onde os inúmeros projetos
comunitários provoquem transformações sociais relevantes. Projetos sociais nascidos
das demandas das salas de aula, enquanto objeto do conhecimento e da práxis
comunitária (vertente pedagógica); que instiguem a criatividade e
inventividade, enquanto competências e habilidades requeridas
mercadologicamente (vertente empregabilidade); que ampliem a credibilidade
institucional, enquanto inserção, responsabilidade social e diferencial
qualitativo (vertente do marketing); que assegure a identidade comunitária da
faculdade e mantenedora, de forma inequívoca, notadamente pelos resultados
produzidos (vertente institucional).
Sonho
o permanente investimento no aperfeiçoamento contínuo dos serviços, processos,
pessoas e sistemas, a fim de efetivar a melhoria constante da qualidade e
produtividade dos resultados educacionais. E que estas oportunidades
diversificadas de capacitação e desenvolvimento dos recursos humanos, em toda a
abrangência (alunos, funcionários, professores e comunidade) possam convergir
em diferencial competitivo reconhecido e propagado.
Sonho a ampliação da Unidade Cenecista de Ceilândia,
com serviços da Educação Infantil ao Ensino Médio, da Graduação à Pós-Graduação
e, com certeza, no longo prazo o Strito Sensu. Isso porque, Senhor Presidente,
sonho a expansão de uma simples faculdade à Universidade.
Sonho
a gradativa transformação de nossa Escola de Ensino Fundamental, inicialmente
ampliada até a 8ª série e, posteriormente, alcançando o Ensino Médio. Sonho a
Escola enquanto opção primeira de Ceilândia, pela qualidade e proposta
pedagógica. Sonho a Escola enquanto um grande projeto social da CNEC, onde o
atendimento, hoje restrito a pouco mais de 200 alunos, possa alcançar, no
mínimo, cerca de 600 famílias, ou algo em torno de 1.000 alunos. Sonho um
grande projeto social, onde as famílias assistidas transitem pelos Cursos
sonhados e, assim, algo de fantástico seria o marco referencial da Mantenedora.
Neste projeto social todos os cursos articulariam, interdisciplinarmente, ações
pedagógicas e sociais permeadas pelas quatro vertentes já citadas (pedagógica,
empregabilidade, marketing e institucional).
Imagine,
Senhor Presidente, nossos alunos de Enfermagem, Fisioterapia, Educação Física e
Serviço Social mapeando carências e proposições à comunidade de Ceilândia,
assistindo e diagnosticando soluções; alunos de Psicologia e Direito em
unidades volantes, circulando pelo entorno e dirimindo questões de natureza
jurídica e existencial, propagando a solução de questões cotidianas; alunos de
Pedagogia, Biblioteconomia e Letras mapeando o analfabetismo, construindo
alternativas e ensinando o exercício da cidadania; alunos dos cursos de
Sistemas de Informação, Ciências Contábeis, Turismo e Administração atuando
como molas propulsoras do desenvolvimento econômico de Ceilândia e entorno, nas
consultorias e desenvolvimentos de negócios. Este, Senhor Presidente, é o sonho
de educação que queremos. É o saber construído, no revés social, retornando à
mesma comunidade enquanto exercício da aprendizagem e da empregabilidade.
Sonho,
Senhor Presidente, sobreviver aos meus sonhos! Não reclamo a eternidade, apenas
uma pequena parte do sopro de vida neste pequenino instrumento em que me
tornei. Neste instrumento que vive as verdades que enuncia e nelas faz
impregnar de lealdade cada amanhã sonhado. E, tentando responder às minhas
indagações iniciais, são justamente essas verdades enunciadas e impregnadas de
lealdade, que permitem a este mero Diretor, legitimar tantos sonhos, hoje
cultivados na coletivização de um projeto institucional bem maior que os seus
próprios sonhos, a FACEB.
Eis
aí, Senhor Presidente, a melhor parte dos meus sonhos, desnudados e desprovidos
de receios, isto porque, permita-me a insubordinação, também conheço um grande
pedaço dos seus sonhos institucionais, pois foram comungados aqui.
Um fraterno e forte abraço,
Prof.
Gilmar Morais
Diretor
da FACEB
Esta carta foi uma exigência do Presidente da CNEC a todos os gestores de faculdades, à época. Nunca foi divulgada. Alunos, funcionários e docentes não tiveram conhecimento do que escrevi. Apenas o Vice-diretor, a Coordenadora Acadêmica e a Coordenadora do Curso de Pedagogia a acessaram. Divulgo-a, agora, 13 anos depois, compartilhando verdades tão caras!