sábado, 4 de junho de 2011

Baú do Caminhar: Precisa-se!


Foto: Estrada Fria, de Bruno Ramalho
 Baú do Caminhar

Precisa-se!

Texto publicado em 24 de junho de 2010.

 

Preciso pedir desculpas por andar tão distante dos blogs. Não tenho visitado e, pior ainda, não tenho retribuído o carinho e a presença de tantos caminheiros... Algumas mudanças, de ordem profissional, estão a tomar-me o tempo, além da corriqueira rotina.

 

E, em tempos de tantas outras atribulações, o texto que hoje republico reflete muito dos passos em curso... Já na próxima semana espero poder retomar as visitas a cada um que ainda passa por aqui... Por enquanto, então, um fraternal abraço!

 




Precisa-se de alguém que ensine a alegria, quando a dor dilacera o espírito. Alguém que mitigue a mágoa e o rancor, porque a perda foi por demais dolorida. Alguém que ensine passos de dança, talvez um bolero, um tango, ou quem sabe um foxtrot, para aliviar os pés metidos na lama do desencontro. Que faça o corpo inquietar-se ao som da música, já que a mesmice paralisa os movimentos.


Precisa-se de alguém que ensine a assobiar músicas antigas, das mais melodiosas ao chorinho bem ligeiro, assim, quem sabe, a voz se erga e não mais retorne ao chão. Alguém que saiba acender fogo atritando paus ou triscando pedras, no meio do nada e no vazio do ser, assim, quem sabe, a alma se aqueça no sopro e no abano e resolva não mais chorar.

Precisa-se, desesperadamente, de alguém que ensine o olhar da lua, majestosa em seu brilho, e assim acalmar a desesperança. Alguém que saiba oferecer o abraço, para impedir que a distância aumente. Alguém que ensine plantar rosas vermelhas, em canteiros de terra em água salobra, assim, quem sabe, o adubo da cumplicidade faça nascer pétalas de ânimo.

Precisa-se, com extremada urgência, de alguém que empreste uma lamparina e assim as sombras da solidão, mirando no filamento de luz, permitam-se à claridade do outro. Alguém que saiba receitas de chás de raízes e que as conheça muito bem, é para evitar que as ervas daninhas se proliferem no coração e acabem sendo servidas com gosto de remédio caseiro.



Precisa-se, irremediavelmente, de alguém que ensine a magia do circo. Que ensine malabares, trapézio, mágica e acrobacias. Quem sabe, assim, seja possível aprender flexibilidade e tolerância. Aprender a generosidade do palhaço, que espalha o riso, para não deixar que jamais morra a criança que ainda se esconde sob lonas carcomidas e cheia de furos.



Precisa-se de alguém que saiba conjugar verbos complexos, que explique com clareza o pretérito imperfeito e o gerúndio. Quem sabe, assim, o futuro do presente se evidencie nas atitudes e elas não mais regridam no tempo em busca de respostas que já se perderam.


Precisa-se de alguém que seja exímio em matemática, para desmistificar a subtração e a divisão que se vestem do pranto e ensinar, então, a soma de fragmentos, ora desconexos, e a multiplicação de valores que não morreram, só esmoreceram.




Precisa-se de alguém que saiba consertar molduras e ensine como restaurar o quadro que reflete a história de vida. Ensine a pincelar ranhuras expostas, a colorir com vivas cores o cinza dos percalços. Quem sabe, assim, se aprenda a olhar prá dentro de si mesmo, admirar o desenho das conquistas e constatar que outras interpretações ainda são possíveis.



Precisa-se de alguém que ensine exercícios de respiração, para que o abdômem perceba-se importante e o diafragma apague a sofreguidão da agonia. Talvez, assim, sejam soprados, para muito longe, a tristeza nos olhos, o silêncio no coração e a solidão das palavras.



Precisa-se, mais que nunca, de alguém que saiba implodir prédio humano, derrubar paredes de ódio e desmanchar telhados de covardia. Alguém que saiba ao menos esboçar projetos. Assim, quem sabe, ainda restará um fio de esperança na reconstrução de um novo sujeito, com paredes solidárias e apaziguadas, cobertas por telhas de lealdade.



Precisa-se de alguém que não seja míope: é para ajudar a encontrar os óculos da verdade, perdidos nos descaminhos da frustração.



Precisa-se, desesperadamente, de uma "vuvuzela" que faça dispersar os pesadelos, vibrar com o time dos sonhos e acordar, definitivamente, para si mesmo. Reconhecer-se errante, mas amparado em todas e cada uma das necessidades gritadas.


Precisa-se, sem pressa alguma, com toda paciência, de um beijo demorado, de um sorriso balbuciando frases desconexas, de um abraço ofegante e de olhos que fazem suspirar a paixão.





Precisa-se...






Créditos das fotos:
1- Tango: Isabel Silva
 2- Lua: Hermínio
3- Palhaço: José Neves
4- Pintura: João Vasco
5- Implosão: Paulo Liebert
6- Vuvuzela: Darko Vojinovic
6- Beijo: Gutobp

Um comentário:

  1. Amigo Gilmar um bom dia!
    Adorei este seu escrito, vou deixar uma parte dele: "Precisa-se de alguém que saiba consertar molduras e ensine como restaurar o quadro que reflete a história de vida. Ensine a pincelar ranhuras expostas, a colorir com vivas cores o cinza dos percalços. Quem sabe, assim, se aprenda a olhar prá dentro de si mesmo, admirar o desenho das conquistas e constatar que outras interpretações ainda são possíveis.". Seria bom que todos refletissem sobre isto!

    Um abraço grande e um bom Domingo.

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