quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Incomode-se...

Meus Rabiscos

É difícil calar a voz, quando se aprende a falar...

Incomode-se quando não puder gritar contra as transgressões cotidianas.
Incomode-se com a letargia enxergada, nas pessoas e em si mesmo.
Incomode-se, sobremaneira, com a cabisbaixa postura daqueles que podem exercer mudanças, fazê-las acontecer.

Incomode-se em saber que se pode mais, quando, no entanto, o ânimo já desfalecido, não retumba, não faz ecoar ousadias.
Incomode-se com a palermice que chegou e não quer mais voltar.
Incomode-se com a falência múltipla dos sentidos de sobrevivência, que não têm mais o arrebatamento de outrora.

Incomode-se com a alegria não mais aguçada. 
Incomode-se com a procrastinação dos sonhos, antes tão decisivos e impulsionadores.
Incomode-se com a incerteza da escolha, na encruzilhada da estrada. 

Incomode-se com a angústia da sensatez que se mistura, no bojo das contradições, com orgulho ferido e maculado.
Incomode-se com o uso constante de muletas a amparar inconstâncias da lucidez.
Incomode-se quando blasfemar contra a própria história e não reconhecer os pilares erguidos no tempo.

Incomode-se ante os avessos que perturbam, fazendo-se verdades nos absurdos da incongruência.
Incomode-se quando não der conta de expurgar pensamentos revanchistas, enquanto o convite é para a festa da harmonia.

Incomode-se com o rufar dos canhões apostos, tingindo de sangue as amizades mal cuidadas.
Incomode-se com o "pântano enganoso das bocas", a surrupiar a autoestima.
Incomode-se com a carícia regrada, medida na rotina, sufocada na mornidade.

Incomode-se com a repetição dos equívocos, na covardia de não fazer o rompimento exigido.
Incomode-se em enxergar, pelo binóculo da experiência, o quão longe se vai o homem.
Incomode-se com a cegueira ante a proximidade dos desmazelos, dos "fast foods" diários.

Incomode-se com a timidez da fala, a malícia dos pensamentos e a recusa dos gestos.
Incomode-se com o conflito de fé, a minúscula entrega e a ardente sede de Deus, não saciada.
Incomode-se com os transtornos da humildade, a fragilidade da esperança e o contraste de valores.

Incomode-se com os olhares titubeantes, lançados às sombras de pensamentos dúbios, nefastos em sua essência.
Incomode-se com a própria imperfeição, tão evidenciada nas recaidas de decisões tomadas no auge da espiritualidade.
Incomode-se com este "rosário" de erros e defeitos, ainda não corrigidos, evidenciando o quanto a estrada é escorregadia.


Não se incomode, em tempo algum, com a estreita crença, com a utopia que nutre a alma, com a inatingível índole de conduta e com a inarredável postura ética... Não! Não se incomode! Talvez, se forem tão insistentemente validadas no cotidiano, as dores sejam menos intensas e as incomodações não passem de devaneios... meros devaneios.
Publicado originalmente em 04 de setembro de 2010

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