sábado, 21 de agosto de 2010

Isca Traumática

Eu, meus filhos e a Pirarara

Ainda morava em Brasília quando sucedeu-se o episódio. Como a família adorava uma pescaria, descobrimos um "pesque e solte" (pesca esportiva) na cidade de Luziânia, aproximadamente uns 80 km de distância.

Os finais de semana eram aguardados com ansiedade! Passávamos o dia, fosse sábado ou domingo, pescando e soltando os peixes! E olha que haviam peixes enormes, de 40 até 60 quilos, como a pirarara da foto.

O problema começou com algumas pescarias que não resultaram em nada. O dia inteiro, à beira d'água e dois ou quatro peixinhos. Enquanto isso, meus filhos e eu assistíamos aos vizinhos pegarem um após o outro. Alguma coisa estava erada. Só podia ser "isca"!

Incrédulos, só observávamos sairem surubins, pacus, tambacus, dourados, matrinxãs e a famosa pirarara, que reinava soberana, como sendo o maior peixe do lugar. E nós? Nada! A Família Morais, já abatida, não tinha sucesso!

Algo precisava ser feito! Lembrei-me de outros tempos, quando pescava com "tripa de galinha". Informei-me e diziam lá que era, de fato, uma ótima isca. Naquele poço os surubins e pirararas adoravam, e corria risco de entrarem outros atrevidos no anzol.

Estava decidido! Haveria de providenciar as tais "tripas". Perguntei aqui e acolá, mas ninguém conhecia algum estabelecimento onde poderiam ser compradas. Andanças e andanças. Vasculhei internet. Catálogo telefone então, foram inúmeras e infrutíferas ligações! O jeito era "apelar" para outra solução!

Recorri então ao meu fiel amigo, que era motorista da faculdade que eu dirigia. Um paraibano capaz da melhor amizade, prestativo, colaborativo e "pau prá toda obra". Manifestei a ele a angústia, no que, prontamente, já ofereceu resposta:
- Cidadão! Aqui na feira de Ceilândia a gente compra essa galinha, viva e de boa qualidade! Vamos lá! Vamos resolver isso! Vem comigo!

Galinha viva!? Já saí ressabiado. Pobrezinha da bichinha seria sacrificada! E tudo por conta dos peixes! Mas, se era para resolver, que assim fosse.

Circulamos pela feira, que tinha de tudo! Tudo mesmo! E ele, já entrosado com a turma, foi logo escolhendo a penosa, apalpando-a e já declarando, sem a menor sombra de dúvidas:
- Essa aqui cidadão! Pode preparar que o professor vai levar essa!

Situação resolvida, nada disse. Esperei o vendedor amarrar os pés da coitada, colocar num saco de nylon e paguei.

Agora eu quero ver, pensava no caminho de volta! Essa isca é a melhor! E enquanto imaginava as possibilidades da pescaria, olhava, de relance, para a coitada! Quem vai fazer o serviço sujo?!

Nesse dia o meu carro estava na revisão, por isso a coitada teve que ficar "amoitada" no porta malas do "veículo oficial", até lá pelas nove da noite. Eu iria sair mais cedo, pois precisava executar a sentença já proferida à pobre galinácea!

Situações encaminhadas, teria ainda que atravessar a cidade. Combinei com a esposa e meninos que me aguardassem em frente à Catedral, pois eles estariam por perto, numa festinha de aniversário. Ao chegarmos, precisava fazer a troca de ambiente da pobre coitada. Já fui descendo do carro e anunciando aos filhos, com um largo sorriso:
- Meus amigos, resolvemos o problema de isca! Agora quero ver! Aqui está a solução!

No que peguei no saco de nylon para tirar a bichinha, eis que ela se solta e vai ao chão. E pasmem! Mesmo com as pernas amarradas, a danada saltitava de um lado para o outro, já quase se soltando. Aí foi aquela correria. Pega! Segura! Não deixa ela escapar! 

Dez da noite, em plena Esplanada dos Ministérios, em frente à Catedral, uma pobre galinha tentava, desesperadamente, fugir da morte! E um bando de doidos pulavam atrás dela, até que, numa "ponte" de beleza plástica que faria inveja a muitos goleiros selecionáveis, meu fiel amigo agarrou-a!
- Peguei! Essa mocinha aqui não escapa mais! Dê cá o saco!

Missão parcialmente cumprida, faltava o desfecho. A pior parte! Que mãos "assassinas" iriam decepar a vida da pobrezinha?! Olhava meus filhos, enquanto a esposa dirigia, e o semblante silenciara-lhes a voz. Também pensavam no cruel destino da coitada! Ressabiado, tentei reanimá-los:
- Amanhã pegaremos todos os peixeis! Os maiores!

Não adiantou muito. Resolvi então não insistir.

Já em casa, na área de serviços, começou uma disputa para ver quem não teria que sacrificar a "pretinha". Eu dizia à esposa:
- Sua mãe é acostumada a fazer isso, então você sabe como! Lá, na roça, já vi você ajudar muitas e muitas vezes a depenar as galinhas para o almoço.
- Está bem. Vou tentar, mas não sei se consigo!

A morte da coitada, mesmo anunciada deste aquela tarde, precisava seguir todo um ritual macabro. Não era tão simples assim. Primeiro era preciso colocar bastante água para ferver. Depois de morta a bichinha seria mergulhada no tacho para facilitar o despeno. Depois, era preciso colocar um prato sob o pescoço, para colher o sangue. O prato ainda recebia uma "esprimida" de limão "capeta", era para não permitir que sangue "talhasse" e fosse usado depois para fazer o "molho pardo". Para o sacrifício era preciso pisar sobre os dois pés da "pretinha", prendendo-a ao chão. A mão esquerda da "carrasca" segurava a cabeça da coitada e a mão direita empunhava uma faca. Pescoço erguido, começava um cuidadoso trabalho para retirar todas as penas, deixando à mostra a parte que sofreria o golpe fatal! Cenas sinistras aquelas!

Quase mudei de idéia! Entretanto, o que iria fazer com a penosa? Ali, no condomínio, as pessoas tinham cachorros como animais de estimação, não galinhas! E como iria fazer para passear com a "pretinha" pelas ruas?! Não! Não havia como retroceder! O ridículo sairia mais caro.

Prato no chão, sob o pescoço desnudado e lá foi ela. Num golpe só o sangue já jorrava. Logo o corpo da "pretinha" esmoreceu e foi largado ao chão, todo forrado com papelões.
- Pronto! Está feito! Agora é só depená-la e rápido, caso contrário poderá "encroar"!

Mal a esposa acabara de pronunciar tais palavras e eis que a danada da galinha resolve se levantar e com o pescoço já pendurado, começa a se debater e a pular na área, ziguezagueando de um lado a outro, espalhando sangue pelas paredes. Uma confusão!
- Bem! Ajuda aqui! Rápido!

Chegamos todos juntos para ver a cena horripilante! Aí já não havia mais o que fazer! Tomei a faca na mão, saí à caça da bichinha, me lambuzei todo, mas ao agarrá-la, mesmo com dor no coração, desferi o golpe mortal!

Mortal?! Que nada! Feito "mula sem cabeça" a "pretinha" ainda tentou um último suspiro, até que, contrariada, aceitou o seu destino!

Depois de tudo, demos algumas constrangidas risadas da nossa falta de jeito. Era tão comum aquilo lá na roça, na casa da sogra, que não imaginávamos tamanha e traumática dificuldade.

No outro dia até que pegamos mesmo alguns peixes com a isca, mas eu estava com tanta dó da "pretinha", de certa forma me afeiçoara a ela e, ali, empunhando o molinete, fiz um juramento "in memorian" de que jamais repetiria tal ato! Nenhuma outra penosa sofreria tal sacrifício. Mas a isca foi aprovada! E os peixes mostrados!


Augusto foi quem fisgou a pirarara

Esse pintado aí foi fisgado pelo Lucas


13 comentários:

  1. Ai, meu amigo querido Gilmar! Com dor no coracao fiquei eu tambem, quase tao aflita quanto voces! O perigo de comprarmos no supermercado e que esquecemos que, para a carne estar ali, linda, limpa, desossada, dentro do pacotinho hermeticamente fechado, e preciso que, antes, alguem lhe limpe o pescoco e desfira o golpe mortal!
    Tanta do estou que quase virei vegetariana! Quase - porque uma galinha bem feita, acompanhada de um molinho, ah, nao tem como nao esquecer a promessa de nunca mais comer carne!
    Otima historia, e as feicoes tomadas de alegria e felicidade ja dizem tudo! Um beijo muito carinhoso, Deia.

    ResponderExcluir
  2. Gilmar
    Que longa história e quanta aventura e o bom é que teve um final feliz para os pescadores é claro. A pretinha é que ficou na memória.
    Acredito que já dá para pensar em fazer um filme.
    Obrigado por estar sempre presente e desculpas se só agora venho te visitar, mas quisera ser só blogueira que me sentiria realizada. Veja como é bom nos encontrarmos e saborearmos histórias tão gostosas e bonitas.

    Beijos e um bom domingo

    ResponderExcluir
  3. Querido Gilmar...que história bem contada amigo..deu pra imaginar cada cena...mas, fiquei morrendo de dó da galinha...
    Lindos seus filhos...uma beleza estes peixes...
    Tenha um ótimo final de semana!
    Beijos...
    Valéria

    ResponderExcluir
  4. Fiquei torcendo pra vcs mudarem de idéia. Coitada da bichinha. Vichhhh... se eu tivesse que matar pra comer, passaria fome ou mataria só vegetais.
    De qualquer modo, a história está muito bem contada. Ainda bem que a pescaria valeu.
    Um lindo domingo pra vcs.
    Beijos.

    ResponderExcluir
  5. Olá,
    Gostei de ver a harmonia da família feliz... isso é muito bom ser postado nos dias atuais... vale a pena de se ver a união entre pai e filhos lindos.
    Parabéns!
    Tenha ótimo fim de semana com os seus queridos mais queridos.
    Pescar faz bem à alma, inclusive...
    Abraços fraternos.

    ResponderExcluir
  6. Meu querido amigo
    Adorei a história, como sempre bem contada, mas ver a familia tão unida, ainda foi melhor.

    Beijinhos
    Sonhadora

    ResponderExcluir
  7. Ola!! Que história,bacana,mas se eu não visse a foto ia dizer que era história de pescador,srrss.

    Um abraço!

    ResponderExcluir
  8. Gilmar que contador de boas histórias você é.
    Fiquei aqui agoniada, também, com a pobre Pretinha. Já tive que fazer algo semelhante, mas com ajuda, já que desse ofício nada entendo, mas de certo que não gostei também.
    Pelo menos, o fim trágido da Pretinha possibilitou a foto desse peixão.
    Um beijo e bom domingo

    ResponderExcluir
  9. Se não fosse as fotos (não é montagem?), eu diria que aqui se contou mais uma história de pescador, ou seria de mineiro. Ri à beça. Da próxima vez tenta uma minhoca. Carinhosamente Óleo.

    ResponderExcluir
  10. Gilmar!
    Adorei a narrativa. Papo de pescador? Que nada, o pior é que é bem assim mesmo, na beira d'água muitas coisas acontecem, rsrs. Agora, o que os peixes gostam de tripa de galinha, é brincadeira!!! Eles adoram.
    Estou mandando agora um email pra ti, contando uma historinha de pescador. Não contei aqui pq é muito grande.
    bjsssssss

    ResponderExcluir
  11. Olá, Gilmar
    Passo pra agradecer aos bons votos de feliz níver pro meu Blog.
    Já se considere dentro da próxima Blogagem pois somos todos criaturas amadas do Divino mesmo sem mereceremos...
    Tenha muita paz junto à esposa e filhotes!
    Ótima semana uma vez mais.
    Abraços fraternos

    ResponderExcluir
  12. Hilário você correndo atrás de uma galinha, ainda bem que era para isca para pescar peixe, pois se uma dia for pescar piranha, recomendo, usa a minhoca... rssssssss. Abçs.

    ResponderExcluir
  13. Pô, Gilmar! Uma simples minhoca não resolvia não? Esse paladar dos peixes, tcs!

    Ponha este num livro de contos, você leva jeito! rs!

    No fundo, a figura de pai estava em jogo, né? Eu sei bem como é isso... Alguém tinha que ter a "solução mágica" para a pescaria.

    Eu já revirei muita terra úmida a procura de minhocas... Tempos de Minas! Saudosos tempos!

    Um abraço,
    Michelle

    ResponderExcluir

Fique à vontade!
Os comentários têm a função precípua de precipitar a maturação da reflexão, do texto “apossado”. É um ponto de partida, sem o ponto de chegada. É o exercício da empatia no rompimento do isolacionismo, posto que, tudo está conectado. É a sua fala complementando a minha. Por isso mesmo fique à vontade para o diálogo: comentar, concordar, discordar, acordar...