Sapo Escaldado!
Texto publicado em 23 de maio de 2010, logo no início da caminhada. É um texto especial! Diz muito das minhas buscas e desencontros, à época. E diz muito da forma como penso, ainda hoje, sobre tantos e tantos tropeços!
Somos mais ou menos assim. Somente aquilo que nos toma de assalto nos faz gritar e pular. Aquilo que nos sequestra a paz e violenta nossa boa índole, a inocente confiabilidade nos outros.
Em muito nos parecemos com a metáfora do sapo escaldado, da qual Peter Senge faz uso na “Quinta Disciplina”. É que, se colocarmos um sapo numa panela de água fervendo, ele tentará sair de qualquer forma, não vai se aquietar um só instante e tentará, por todos os meios, pular fora. Todavia, se colocarmos água fresca, numa temperatura agradável, ele simplesmente não fará nada. Vai ficar quietinho. Vai adorar a paz do aconchego.E se acendermos o fogo sob a panela com água fresca, onde se acomoda o sapo e aumentarmos gradativamente a temperatura, ainda assim, ele continuará lá. E mais, ficará quietinho, como quem gosta do que recebe. Quanto mais a temperatura subir, mais ele continuará estático. Sem poder de reação. Quanto mais a temperatura aumentar, mais ainda o sapo vai calar-se, até que, escaldado, cozido, fenecerá com a mesma empáfia de sua acomodação. O mecanismo interno, que responde pela detecção de ameaças à sua sobrevivência é regulado apenas para identificar mudanças bruscas. Súbitas alterações. O sapo é inepto às ameaças graduais.
Quantas vezes e em tantas circunstâncias, também nós, meros mortais, criamos o hábito da plena quietude. Numa ilusão de ótica, tudo parece calmaria no mundo que mora lá fora. Entretanto, ao calor da vida, dos desencontros, tropeços, sofrimentos doídos, relações rasgadas e desapontamentos de toda sorte, essa mesma quietude faz abrir uma lacuna, uma grande distância. Já não vemos nada. Não enxergamos nada. Não escutamos nada. Somos consumidos, aos poucos, por esse mesmo mundo, do qual esquecemos fazer parte.
Criamos o hábito da acomodação nos pequenos e diferentes mundos, ricos em ausência de criticidade, vazios em consciência cidadã e humanística. Por vezes somos também admoestados a permanecer no mais absoluto silêncio, quando as poderosas mídias, com suas hipocrisias, bairrismos e idiossincrasias, faz o convencimento do "jeito certo" que cabe a cada um. É a submissão ao escárnio da “massa”, falida em vontade e autoestima... Zombeteiros de plantão, por vezes somos levados a acreditar, com fé inarredável, de que a verdade vem sempre de outra direção, é sempre soprada por outros ventos. E, na cegueira de abismos emocionais, ignoramos o sublime livre arbítrio a que temos direito exercer.
Marina Colasanti fala do quanto a gente se acostuma às coisas. A gente se acostuma ao cansaço do cotidiano; a pagar mais pelo que se quer; a travar batalhas sem fim, para ganhar o pão de cada dia, afinal os sonhos têm preços. “... A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma".
Feito o sapo escaldado na aconchegante água morna, quanto mais a voz se cala, não se sente mais o fogo brando... A gente teima em "empurrar com a barriga" os desconfortos a que somos submetidos, porque assim permitimos... E sem perceber, aos poucos desfacelemos.
Penso que o estágio adequado é o de inconformismo. É preciso aprender a dizer não, quando a vontade é de dizer não. É preciso aprender a dar passos em direção oposta, a retroceder dois passos e avançar apenas um...
Não é tarefa fácil a rebeldia. Não é decisão fácil a oposição. E as discordâncias não podem significar uma mera bandeira de resistência. Não se trata de “pintar a cara” e estabelecer mais um rótulo. É, antes de tudo, uma questão de dignidade. Trata-se da não aceitação da vantagem fácil. Da recusa ao egocentrismo mesquinho. Trata-se da crença na ética. Trata-se de enxergar, sem o rubor da vergonha, a mesma face no espelho, todos os dias ao acordar.
Não é uma questão de acolher conceitos impositivos ou habilmente incutidos. Trata-se do hábito de cultivar o discernimento e a criticidade. Não é a atitude da conciliação passiva, submissa e cabisbaixa ante o domínio da eloqüência dos que se vestem de poder, dos travestidos de bondade e serventia. Trata-se de refutar, com a mais cristalina das vontades, a opulência de moedas saqueadas na exclusão social. Trata-se de educar-se na retidão e, sobretudo, de ser leal a si mesmo. Trata-se da recusa intensa, indecente até se for preciso, em não tolerar ser fantoche em qualquer que seja o palco. Trata-se de não permitir ser cozido vivo, não ser levado à morte, ao imobilismo estratégico e vil. Trata-se de escolher a vida. Trata-se de viver, no sentido mais intenso e completo que o verbo permitir.
Cabe aqui resgatar uma fala providencial da Elenita: “Não se trata do tamanho do desafio, se trata do seu tamanho. Ou você é uma pessoa que se deixa deter ou é uma pessoa que não se deixa deter. A escolha é sua. Pensamentos conduzem a sentimentos, sentimentos conduzem a ações e ações conduzem a resultados”.
O hábito pode tornar-se aceitação passiva do que não pode mais ser tolerado.
Fernando Pessoa
Imagem: http://sergiostorch.com/wp-content/arquivos/boiling-frog-300x264.jpg
Ain Gilmar, aqui encontrei tudo que precisava, rs
ResponderExcluir"não tolerar ser fantoche em qualquer que seja o palco"
De tantos fragemntos que guardei aqui dentro, esse foi o que mais me marcou...
Obrigado pelo carinho de sempre...
Bjsss
Mila
Sensacional,Gilmar e cheio de verdades atuais sempre...Legal!abração,chica
ResponderExcluirEstou muito feliz em ter encontrado seu blog.
ResponderExcluirlendo e conhecendo seu blog deparei com alegria um presente que saiu do meu blog..Jesus é o Caminho.
estou afastada dele no momento .mais o endereço dele é esse.www.meudeusetudo.zip.net
Hoje estou aqui atravez de outro blog ..
Agora estou seguindo você,
Um feliz final de semana,,Evanir..
http://aviagem1.blogspot.com/
www.fonte-amor.zip.net
Gilmar, o teu texto deu uma chocoalhada em mim. Vou ser sincera contigo, estou sem palavras para comentar. Deixo o meu afeto e lhe desejo um domingo especial.
ResponderExcluirGosto bastante deste texto - desde a primeira publicação. ;-)
ResponderExcluirUma nova leitura permite aprofundar a reflexão.
Bjos!
Olá, Gilmar
ResponderExcluirFoi bom ter reeditado pois o que é instrutivo deve ser apreciado e acolhido com respeito...
Estava precisnado ler algo assim... crescer eis a questão!!!
Abraços fraternos de paz e excelente semana.