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"Acorrentados", de Cristina Ferreira de Paula |
Outros Autores
Paulo Mendes Campos
Quem coleciona selos para o filho do amigo; quem acorda de madrugada e estremece no desgosto de si mesmo ao lembrar que há muitos anos feriu a quem amava; quem chora no cinema ao ver o reencontro de pai e filho; quem segura sem temor uma lagartixa e lhe faz com os dedos uma carícia; quem se detém no caminho para ver melhor a flor silvestre; quem se ri das próprias rugas; quem decide aplicar-se ao estudo de uma língua morta depois de um fracasso sentimental; quem procura na cidade os traços da cidade que passou; quem se deixa tocar pelo símbolo da porta fechada; quem costura roupa para os lázaros; quem envia bonecas às filhas dos lázaros; quem diz a uma visita pouco familiar: Meu pai só gostava desta cadeira; quem manda livros aos presidiários; quem se comove ao ver passar de cabeça branca aquele ou aquela, mestre ou mestra, que foi a fera do colégio; quem escolhe na venda verdura fresca para o canário; quem se lembra todos os dias do amigo morto; quem jamais negligencia os ritos da amizade; quem guarda, se lhe deram de presente, o isqueiro que não mais funciona; quem, não tendo o hábito de beber, liga o telefone internacional no segundo uísque a fim de conversar com amigo ou amiga; quem coleciona pedras, garrafas e galhos ressequidos; quem passa mais de dez minutos a fazer mágicas para as crianças; quem guarda as cartas do noivado com uma fita; quem sabe construir uma boa fogueira; quem entra em delicado transe diante dos velhos troncos, dos musgos e dos liquens; quem procura decifrar no desenho da madeira o hieróglifo da existência; quem não se acanha de achar o pôr-do-sol uma perfeição; quem se desata em sorriso à visão de uma cascata ; quem leva a sério os transatlânticos que passam; quem visita sozinho os lugares onde já foi feliz ou infeliz; quem de repente liberta os pássaros do viveiro; quem sente pena da pessoa amada e não sabe explicar o motivo; quem julga adivinhar o pensamento do cavalo; todos eles são presidiários da ternura e andarão por toda a parte acorrentados, atados aos pequenos amores da armadilha terrestre.
Texto extraído do livro "O Anjo Bêbado", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1969, pág. 105.
Amigo Gilmar, nos dias de hoje é raro acharmos pessoas ternas. Este texto é demasiadamente significante e lindo. Deixo a minha ternura.
ResponderExcluirEntão presidiários somos todos nós.
ResponderExcluirUm grande bj querido amigo
Quem escolhe um texto lindo como este, com toda certeza é um presidiário da ternura.
ResponderExcluirbeijos
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Um belo texto...
ResponderExcluirE quem não vive "atados aos pequenos amores "?! nem que seja um...
Bjsss
Mila
OI Gilmar
ResponderExcluirUm texto primoroso que nao canso de ler.
certamente agarro-me aos poemas e sou uma acorrentada... das ternuras rs
só recuso-me a acarinhar lagartixa rsrs
abraço Gilmar
obrigada pela partilha , que continuemos aqui a conversar com os amigos.
Meu querido
ResponderExcluirHoje passando apenas para oferecer o meu selinho de 500 seguidores...feito com o carinho de todos que me seguem.
Beijinhos
Sonhadora
Lindo texto amigo...isso para mim é viver com capricho no que faz, com ternura, dedicação e amor...tudo isso faz a vida valer a pena...
ResponderExcluirUm carinhoso abraço...tenha um bom dia!
Valéria