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A moça ia no
ônibus muito contente desta vida, mas, ao saltar, a contrariedade se anunciou:
— A sua passagem
está paga — disse o motorista.
— Paga por quem?
— Esse cavalheiro
aí.
E apontou um
mulato bem vestido que acabara de deixar o ônibus, e aguardava com um sorriso
junto à calçada.
— É algum engano,
não conheço esse homem. Faça o favor de receber.
— Mas já está
paga.
— Faça o favor de
receber! — insistiu ela, estendendo o dinheiro e falando bem alto para que o
homem ouvisse: — Já disse que não
conheço! Sujeito atrevido, ainda fica ali me esperando, o senhor não está
vendo? Vamos, faço questão que o senhor receba minha passagem.
O motorista ergueu
os ombros e acabou recebendo: melhor para ele, ganhava duas vezes.
A moça saltou do
ônibus e passou fuzilando de indignação pelo homem.
Foi seguindo pela
rua, sem olhar para ele.
Se olhasse, veria
que ele a seguia, meio ressabiado, a alguns passos.
Somente quando
dobrou à direita para entrar no edifício onde morava, arriscou uma espiada: lá
vinha ele! Correu para o apartamento, que era no térreo, pôs-se a bater,
aflita:
— Abre! Abre aí!
A empregada veio
abrir e ela irrompeu pela sala, contando aos pais atônitos, em termos confusos,
a sua aventura.
— Descarado, como é que tem coragem? Me seguiu
até aqui!
De súbito, ao
voltar-se, viu pela porta aberta que o homem ainda estava lá fora, no saguão.
Protegida pela presença dos pais, ousou enfrentá-lo:
— Olha ele ali! É
ele, venham ver! Ainda está ali, o sem-vergonha. Mas que ousadia!
Todos se
precipitaram para a porta. A empregada levou as mãos à cabeça:
— Mas a senhora,
como é que pode! É o Marcelo!
— Marcelo? Que
Marcelo? — a moça se voltou, surpreendida.
— Marcelo, o meu
noivo. A senhora conhece ele, foi quem pintou o apartamento.
A moça só faltou
morrer de vergonha:
— É mesmo, é o
Marcelo! Como é que eu não reconheci! Você me desculpe, Marcelo, por favor.
No saguão, Marcelo
torcia as mãos, encabulado:
— A senhora é que
me desculpe, foi muita ousadia...
Fernando
Sabino. Ousadia, in "A Mulher do Vizinho". Editora Sabiá. Rio
de Janeiro, 6ª ed., pp.160-161.
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