Despedir-se |
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Há
uma frase que é sempre proferida – quase beirando um chavão – quando em
determinadas circunstâncias deseja-se cobrar de alguém uma postura direta, uma
posição explícita ou, até, uma atitude clara; Deus vomitará os mornos! Essa
ameaça vale também quando se quer amedrontar aqueles ou aquelas que seguem pela
vida afora sem nunca aproximar-se minimamente dos extremos, ficando sempre no
ansiado ou proclamado como seguro “caminho do meio”, evitando-se assim,
qualquer risco de transbordamentos ou ruptura da prudência.
Deus
vomitará os mornos! Está lá no Apocalipse (último livro da Bíblia dos
cristãos), capítulo 3, versículos 15 e 16: “Conheço tuas obras: não és frio nem
quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas, porque és morno, nem frio nem quente,
estou para vomitar-te de minha boca”.
Essa
admoestação colide frontalmente com um dos pilares da moral greco-romana deste
a Antiguidade e que impregna com intensidade a moral do cotidiano: a virtude
está no meio. Tal princípio, nascido como teoria completa no século 4 a.C., a partir da obra Ética a Nicômaco, de Aristóteles,
anuncia, três séculos após, um ideal de moderação e uma referência de
tranqüilidade expressos por um relato da mitologia trazido nas Metamorfoses do
poeta latino Ovídio. Conta ele que Hélios (o Sol) tivera um filho, Faêton, com
Climene, mas não acolheu a criança; quando Faêton cresceu, foi em busca do
reconhecimento do pai que, tendo-o aceito, ofereceu como presente qualquer
coisa que o rapaz desejasse. O pedido do jovem foi poder guiar o carro de
Hélios, que antes o advertiu com a obrigação de manter-se eqüidistante do céu e
da terra, dizendo-lhe que “pelo meio irás com máxima segurança”; como o filho
não o atendeu, desequilibrando e desviando do Sol, Zeus interveio e liquidou
Faêton com um raio.
Ora,
há dezenas de mitos, fábulas e histórias com a finalidade de exaltar a
exclusividade e preferência do caminho do meio; o que não se deve esquecer é
que esse caminho pode também ser o da mediocridade. Em nome da sobriedade, da
prudência e do comedimento, o máximo que se obtém em muitas situações é a
mornidade mediana, regrada e constantemente refreada.
Nesse
sentido, para não ser morno, é preciso ser radical. Cuidado! Em nosso
vocabulário usual é feita uma oportunista confusão entre radical e sectário.
Radical é aquele – como lembra a origem etimológica – que se firma nas raízes,
isto é, que não tem convicções superficiais, meramente epidérmicas; radical é
alguém que procura solidez nas posturas e decisões tomadas, não repousando na
indefinição dissimulada e nas certezas medíocres. Por sua vez, o sectário é o
que é parcial, intransigente, faccioso, ou seja, aquele que não é capaz de
romper com seus próprios contornos e dirigir o olhar para outras
possibilidades.
É
preciso ter limites, mas, estará o limite exatamente no meio? Não é necessário
ir até os extremos, mas é essencial não ficar restrito ao confortável e
letárgico centro; muitas vezes o meio pode ficar anódino, inodoro, insípido e
incolor. Alguns desses desejos de romper fronteiras mornas só aparecem nos
epitáfios, sempre em forma nostálgica e lamentadora de um “eu devia ter...”
Para além da mitologia grega, não é por acaso que outros Titãs têm sido tão
festejados quando cantam de forma deliciosa e perturbadora (e muitos com eles):
“Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer; devia ter
arriscado mais e até errado mais, ter feito o que eu queria fazer”...
A
sabedoria para equilibrar essas inquietações pode ser encontrada na reflexão
feita no século 5 a.C.
pelo filósofo chinês Confúcio: “Eu sei por que motivo o meio-termo não é
seguido: o homem inteligente ultrapassa-o, o imbecil fica aquém”.
Radicalidade
é uma virtude; o vício está na superficialidade.
Não Espere Pelo
Epitáfio... Provocações Filosóficas
Mário Sérgio Cortella - Editora Vozes – 3ª
Edição - Páginas 13-16
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