terça-feira, 1 de março de 2016

Chegar ao Cume da Montanha



"Triste Boa Esperança" - Giovanne Oliveira
Metáfora
Um homem, em busca de iluminação, veio de muito longe encontrar-se com um respeitado Mestre, que tinha fama de conhecer a trilha que o levaria ao cume da “Montanha da Sabedoria”. Depois de uma exaustiva viagem, finalmente encontrou o Mestre sentado no sopé de uma montanha, e lhe disse:
—Tive notícias através de muitas pessoas que você conhece o caminho que leva ao cume da Montanha de Sabedoria. É verdade?
O Mestre responde mansamente, com sua longa barba branca e uma túnica quase em farrapos:
—Sim, é.  
O buscador insiste:
—É esta a montanha? O Senhor conhece o caminho que leva ao seu cume?  
—Sim, há uma só montanha, e esta é ela. Quanto a mim, eu realmente conheço um caminho que leva ao seu cume...
—Então poderá guiar-me até lá?
O Mestre franziu a testa em sinal de dúvida, chamando a atenção do buscador para suas grandes sobrancelhas brancas. Permaneceu assim, olhando-o em silêncio por um longo tempo, como se pudesse enxergá-lo por dentro.
Finalmente falou:
—Embora as inúmeras surpresas que o caminho até o cume da montanha pode reservar, você pode ir por você mesmo. Nada o impede de chegar lá sozinho...
Diante da resposta evasiva do Mestre, o buscador lhe respondeu, de maneira enfática:
—Não! Eu desejo que o senhor me guie! Foi para isso que vim até aqui! Diga, por favor, que concorda em me guiar.
—Sim, nada me custa guiá-lo até lá, se isso importa tanto para você. Mas terá de ser do meu jeito, e você terá de me seguir sem nenhum questionamento. Meu caminho para o cume da montanha é longo e árduo; as dificuldades são muitas, assim como as tentações para se desviar da trilha ou voltar para trás. Por isso, muitos tentaram acompanhar-me até lá, mas bem poucos conseguiram. E dentre os poucos que conseguiram, muitos se decepcionaram...
—Eu sinceramente gostaria de tentar (disse humildemente o buscador ao Mestre).
—Então, como eu falei, terá que ser do meu jeito. Você deverá submeter-se à minha vontade e obedecer cegamente a todas as minhas ordens, sem vacilar, até atingirmos o cume da montanha.
—Eu prometo (retruca o buscador).
Então, feitos os arranjos para a viagem, lá partiram eles rumo ao topo da montanha.
O Mestre se movia com um ritmo e velocidade impressionantes para a sua condição de velho; o buscador, quase sempre ofegando, a muito custo tentava acompanhá-lo montanha acima.
 Realmente, o caminho era longo, pensava o buscador. Sem o Mestre para guiá-lo, já teria se perdido inúmeras vezes. Talvez estivesse até morto numa hora dessas...
Horas se tornaram dias, dias viraram semanas e os meses já não se contavam nos dedos do buscador.
Em vários pontos da jornada, o Mestre determinava que ele executasse alguma tarefa, que quase sempre lhe parecia tola e sem nenhum sentido prático, embora sempre exigisse dele grande dedicação e perícia. O Mestre, por sua vez, só retomava a jornada depois que o buscador lhe comprovasse ter realmente adquirido a habilidade em jogo na tarefa proposta, ainda que precisasse repeti-la dezenas de vezes, até aprender.
Sempre montanha acima, por meses a fio, eles cruzaram canyons profundos, matas cerradas e cavernas escuras. Tudo isso sem jamais terem encontrado vivalma no caminho.
O buscador tinha perdido a noção de tempo, mas já eram passados exatamente um ano, um dia, quatro horas e sete minutos desde que começaram a jornada montanha acima. Era uma bela manhã de sol e o buscador, por um momento, julgou ter ouvido a voz de crianças brincando. Mas devia ser fruto da sua imaginação. Quem haveria de estar ali, numa hora dessas, num local de acesso tão difícil e complicado?
Contudo, na medida em que ele e o Mestre se aproximavam mais e mais do cume da montanha, as vozes das crianças foram se intensificando e se misturando às vozes de adultos. A certa altura, o buscador teve a nítida impressão de ouvir até mesmo alguém anunciando pipocas e cachorros-quentes...
Qual a sua estupefação ao descobrir que as vozes eram reais, vindas de pessoas reais, de carne e osso, centenas delas, que se aglomeravam festivamente no topo da montanha, na verdade um local amplo e muito plano, naquela bela manhã...
Ainda boquiaberto, o buscador viu que existia uma linha de teleférico partindo da base da montanha e também uma estrada asfaltada até o topo, terminando num grande estacionamento, repleto de ônibus da excursão.
Quando conseguiu olhar para o Mestre, tudo que fez foi balbuciar algumas palavras:
—Mas. . . o senhor disse. . . um caminho. . .
O mestre diz suavemente:
—Não. Eu disse, “uma só montanha”, caminhos há muitos, mas foi você que insistiu para que eu o guiasse no meu.
—Mas. . . seu caminho sempre foi tão difícil. . . Agora entendo porque nunca cruzamos como ninguém enquanto subíamos. . .
—Por isso eu lhe disse que bem poucos têm me acompanhado até aqui, seguindo o meu caminho. E também lhe disse que, mesmo dentre os poucos que aqui chegam me seguindo, a maioria acaba se decepcionando comigo, ao descobrir que existem caminhos muito mais fáceis, seguros e rápidos do que o meu...
—Sua questão agora e sempre não é comigo:  é com você mesmo. Eu lhe disse que você poderia ter vindo pelos seus próprios meios. . . Bem, agora, pelo menos, você sabe que pode escolher e que existem alternativas. . . E que algumas permitem aprendizado, outras não... Algumas permitem sentidos novos, outras não... algumas permitem encontros consigo mesmo, outras não...

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