"Triste Boa Esperança" - Giovanne Oliveira |
Metáfora
Um homem, em busca de iluminação,
veio de muito longe encontrar-se com um respeitado Mestre, que tinha fama de
conhecer a trilha que o levaria ao cume da “Montanha da Sabedoria”. Depois de
uma exaustiva viagem, finalmente encontrou o Mestre sentado no sopé de uma
montanha, e lhe disse:
—Tive notícias através de muitas
pessoas que você conhece o caminho que leva ao cume da Montanha de Sabedoria. É
verdade?
O Mestre responde mansamente, com
sua longa barba branca e uma túnica quase em farrapos:
—Sim, é.
O buscador insiste:
—É esta a montanha? O Senhor
conhece o caminho que leva ao seu cume?
—Sim, há uma só montanha, e esta
é ela. Quanto a mim, eu realmente conheço um caminho que leva ao seu cume...
—Então poderá guiar-me até lá?
O Mestre franziu a testa em sinal
de dúvida, chamando a atenção do buscador para suas grandes sobrancelhas
brancas. Permaneceu assim, olhando-o em silêncio por um longo tempo, como se
pudesse enxergá-lo por dentro.
Finalmente falou:
—Embora as inúmeras surpresas que
o caminho até o cume da montanha pode reservar, você pode ir por você mesmo.
Nada o impede de chegar lá sozinho...
Diante da resposta evasiva do
Mestre, o buscador lhe respondeu, de maneira enfática:
—Não! Eu desejo que o senhor me
guie! Foi para isso que vim até aqui! Diga, por favor, que concorda em me guiar.
—Sim, nada me custa guiá-lo até
lá, se isso importa tanto para você. Mas terá de ser do meu jeito, e você terá
de me seguir sem nenhum questionamento. Meu caminho para o cume da montanha é
longo e árduo; as dificuldades são muitas, assim como as tentações para se
desviar da trilha ou voltar para trás. Por isso, muitos tentaram acompanhar-me
até lá, mas bem poucos conseguiram. E dentre os poucos que conseguiram, muitos
se decepcionaram...
—Eu sinceramente gostaria de
tentar (disse humildemente o buscador ao Mestre).
—Então, como eu falei, terá que
ser do meu jeito. Você deverá submeter-se à minha vontade e obedecer cegamente
a todas as minhas ordens, sem vacilar, até atingirmos o cume da montanha.
—Eu prometo (retruca o buscador).
Então, feitos os arranjos para a
viagem, lá partiram eles rumo ao topo da montanha.
O Mestre se movia com um ritmo e
velocidade impressionantes para a sua condição de velho; o buscador, quase
sempre ofegando, a muito custo tentava acompanhá-lo montanha acima.
Realmente, o caminho era longo,
pensava o buscador. Sem o Mestre para guiá-lo, já teria se perdido inúmeras
vezes. Talvez estivesse até morto numa hora dessas...
Horas se tornaram dias, dias
viraram semanas e os meses já não se contavam nos dedos do buscador.
Em vários pontos da jornada, o
Mestre determinava que ele executasse alguma tarefa, que quase sempre lhe
parecia tola e sem nenhum sentido prático, embora sempre exigisse dele grande
dedicação e perícia. O Mestre, por sua vez, só retomava a jornada depois que o
buscador lhe comprovasse ter realmente adquirido a habilidade em jogo na tarefa
proposta, ainda que precisasse repeti-la dezenas de vezes, até aprender.
Sempre montanha acima, por meses
a fio, eles cruzaram canyons profundos, matas cerradas e cavernas escuras. Tudo
isso sem jamais terem encontrado vivalma no caminho.
O buscador tinha perdido a noção
de tempo, mas já eram passados exatamente um ano, um dia, quatro horas e sete
minutos desde que começaram a jornada montanha acima. Era uma bela manhã de sol
e o buscador, por um momento, julgou ter ouvido a voz de crianças brincando.
Mas devia ser fruto da sua imaginação. Quem haveria de estar ali, numa hora
dessas, num local de acesso tão difícil e complicado?
Contudo, na medida em que ele e o
Mestre se aproximavam mais e mais do cume da montanha, as vozes das crianças
foram se intensificando e se misturando às vozes de adultos. A certa altura, o
buscador teve a nítida impressão de ouvir até mesmo alguém anunciando pipocas e
cachorros-quentes...
Qual a sua estupefação ao
descobrir que as vozes eram reais, vindas de pessoas reais, de carne e osso,
centenas delas, que se aglomeravam festivamente no topo da montanha, na verdade
um local amplo e muito plano, naquela bela manhã...
Ainda boquiaberto, o buscador viu
que existia uma linha de teleférico partindo da base da montanha e também uma
estrada asfaltada até o topo, terminando num grande estacionamento, repleto de
ônibus da excursão.
Quando conseguiu olhar para o
Mestre, tudo que fez foi balbuciar algumas palavras:
—Mas. . . o senhor disse. . . um
caminho. . .
O mestre diz suavemente:
—Não. Eu disse, “uma só montanha”,
caminhos há muitos, mas foi você que insistiu para que eu o guiasse no meu.
—Mas. . . seu caminho sempre foi
tão difícil. . . Agora entendo porque nunca cruzamos como ninguém enquanto
subíamos. . .
—Por isso eu lhe disse que bem
poucos têm me acompanhado até aqui, seguindo o meu caminho. E também lhe disse
que, mesmo dentre os poucos que aqui chegam me seguindo, a maioria acaba se
decepcionando comigo, ao descobrir que existem caminhos muito mais fáceis, seguros
e rápidos do que o meu...
—Sua questão agora e sempre não é
comigo: é com você mesmo. Eu lhe disse
que você poderia ter vindo pelos seus próprios meios. . . Bem, agora, pelo
menos, você sabe que pode escolher e que existem alternativas. . . E que
algumas permitem aprendizado, outras não... Algumas permitem sentidos novos,
outras não... algumas permitem encontros consigo mesmo, outras não...
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