Meus Rabiscos
Foto: Estrada Fria, de Bruno Ramalho
Precisa-se de alguém que ensine a alegria, quando a dor dilacera o espírito. Alguém que mitigue a mágoa e o rancor, porque a perda foi por demais dolorida. Alguém que ensine passos de dança, talvez um bolero, um tango, ou quem sabe um foxtrot, para aliviar os pés metidos na lama do desencontro. Que faça o corpo inquietar-se ao som da música, já que a mesmice paralisa os movimentos.
Precisa-se de alguém que ensine a assobiar músicas antigas, das mais melodiosas ao chorinho bem ligeiro, assim, quem sabe, a voz se erga e não mais retorne ao chão. Alguém que saiba acender fogo atritando paus ou triscando pedras, no meio do nada e no vazio do ser, assim, quem sabe, a alma se aqueça no sopro e no abano e resolva não mais chorar.
Precisa-se, irremediavelmente, de alguém que ensine a magia do circo.
Que ensine malabares, trapézio, mágica e acrobacias. Quem sabe, assim,
seja possível aprender
flexibilidade e tolerância. Quem sabe, assim, possa aprender a generosidade do palhaço, que espalha o riso, para não deixar que jamais morra a criança que ainda se esconde no circo da vida, sob lonas carcomidas e cheias de furos.
flexibilidade e tolerância. Quem sabe, assim, possa aprender a generosidade do palhaço, que espalha o riso, para não deixar que jamais morra a criança que ainda se esconde no circo da vida, sob lonas carcomidas e cheias de furos.
Precisa-se de alguém que saiba conjugar verbos complexos, que explique com clareza o pretérito imperfeito e o gerúndio. Quem sabe, assim, o futuro do presente se evidencie nas atitudes e elas não mais regridam no tempo em busca de respostas que já se perderam.
Precisa-se de alguém que seja exímio em matemática, para desmistificar a subtração e a divisão que se vestem do pranto e ensinar, então, a soma de fragmentos, ora desconexos, e a multiplicação de valores que não morreram, só esmoreceram.
Precisa-se de alguém que ensine exercícios de respiração, para que o abdômen perceba-se importante e o diafragma apague a sofreguidão da agonia. Talvez, assim, sejam soprados, para muito longe, a tristeza nos olhos, o silêncio no coração e a solidão das palavras.
Precisa-se, mais que nunca, de alguém que saiba implodir prédio humano, derrubar paredes de ódio e desmanchar telhados de covardia. Alguém que saiba ao menos esboçar projetos. Assim, quem sabe, ainda restará um fio de esperança na reconstrução de um novo sujeito, com paredes solidárias e apaziguadas, cobertas por telhas de lealdade.
Precisa-se de alguém que não seja míope: é para ajudar a encontrar os óculos da verdade, perdidos nos descaminhos da frustração.
Precisa-se, desesperadamente, de uma "vuvuzela" que faça dispersar os pesadelos, vibrar com o time dos sonhos e acordar, definitivamente, para si mesmo. Reconhecer-se errante, mas amparado em todas e cada uma das necessidades gritadas.
Precisa-se, sem pressa alguma, com toda paciência, de um beijo demorado, de um sorriso balbuciando frases desconexas, de um abraço ofegante e de olhos que fazem suspirar a paixão.
Precisa-se...
Precisa-se...
2- Lua: Hermínio
3- Palhaço: José Neves
4- Pintura: João Vasco
5- Implosão: Paulo Liebert
6- Vuvuzela: Darko Vojinovic
6- Beijo: Gutobp
Publicado originalmente em 24 de junho de 2010
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