domingo, 28 de setembro de 2014

A Mulher Madura

Mulher madura
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O  rosto da mulher madura entrou na moldura dos meus olhos. De repente, a surpreendo num banco; olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela  passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a antevejo no espelho de uma joalheria.


A mulher madura, com seu rosto denso e esculpido como o  de uma atriz, tem qualquer coisa de Melina Mercouri  ou de Anouke Aimé.


Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas,   braços  e bocas ruidosamente.

A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.


A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo de repouso de garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.


A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.


A adolescente,  com o brilho de seus cabelos,  com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.


A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em  opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas  mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de Setembro a Abril.


O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos,  apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.


Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com  tal violência que o verde se  perverte, e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.


Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere completamente.


Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador. Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, de um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.


A mulher madura está pronta para algo definitivo. Merece, por exemplo,  sentar-se naquela Praça de Siena à tarde, acompanhando com o complacente olhar o voo das andorinhas e as crianças a brincar.


A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidade.   


A mulher madura é um ser luminoso às 4 horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados de gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.


Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar.
              
         
Afonso Romano de Sant'Ana

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