sábado, 20 de setembro de 2014

Carroça Vazia

Meus Rabiscos


Foto: A Carroça, de Rui Grafino


“Certa manhã, meu pai, muito sábio, convidou-me a dar um passeio no bosque e eu aceitei com prazer. Ele se deteve numa clareira e, depois de um pequeno silêncio, me perguntou:
    - Além do cantar dos pássaros, você está ouvindo mais alguma coisa?
    Apurei os ouvidos alguns segundos e respondi:
    - Estou ouvindo um barulho de carroça.
    - Isso mesmo, e de uma carroça vazia...
    Perguntei-lhe, então:
    - Como o senhor sabe que a carroça está vazia, se ainda não a vimos?
    - Ora - respondeu ele - é muito fácil saber se uma carroça está vazia por causa do barulho. Quanto mais vazia a carroça, maior é o barulho que ela faz.
    Tornei-me adulto, e até hoje, quando vejo uma pessoa falando demais, tratando o próximo com grossura, prepotente, interrompendo a conversa dos outros ou querendo demonstrar que é o dono da verdade, tenho a impressão de ouvir a voz do meu pai, dizendo: ‘Quanto mais vazia a carroça, maior é o barulho que ela faz’..."


A arrogância é algo que me dá asco. Abomino pessoas que se julgam donas de verdades absolutas. Prepotência e presunção andam abraçadas. Habitam bocas da retórica maledicente, numa necessidade rançosa de poder. Utilizam-se de verbos grandiloquentes, impondo derrotismos e bizarrices enfadonhas. Soa como se fosse um deboche. 

Não há assunto sobre o qual não se pronuncie, com “sapiência”.  É uma busca compulsiva a aplausos. Acho intragável esse orgulho bestial e egoístico.

Mas, fazer o quê? A estrada precisa desses empecilhos, desses lamaçais enrustidos. Sem eles não se exercita a paciência e a humildade, testando ao limite os valores que calçam os pés. A caminhada é longa!

É compreensível, e também necessário, que a pluralidade de pensamentos se ofereça ao debate. É louvável quando a reflexão impõe a revisão dos pressupostos que até então orientavam posicionamentos. É, de fato, um aprendizado, quando a eloquência fundamentada se coloca como ponte a juntar pedaços de cada um, irrompendo-se enquanto sinergia de construção do saber. 

Autoconfiança até que merece reconhecimento, mas ego inflamado, faça-me o favor! Tamanho entorpecimento é de fazer inveja a Narciso.  Causa reboliço no Monte Olimpo.

Os mais incautos sofrem, à revelia, desmandos e opressões por conta de supostos intelectualóides, que esbravejam e destilam sua imponência hipócrita. Os mais críticos rebatem, compram a briga. Acabam por misturar-se ao fétido chiqueiro. A lugar nenhum se chega no embate.

Melhor então é retomar o fôlego. Contar até dez. Calçar as chinelas da humildade e sabedoria para esquivar-se do revide. O meu tamanho não pode apequenar-se. Hora de arrefecer os ânimos. O olhar precisa manter-se nobre, sublimar.

Quando a arrogância e a prepotência, por conta de qualquer tipo de poder, massacram os mais ingênuos, o preço pode ser caro e será pago. Disso não tenho dúvidas. A caminhada guarda surpresas, percalços subestimados. Então, nada melhor que um “causo” para fazer rir. É do Geraldinho de Goiás, um humorista que infelizmente não está mais entre nós, ele já conta “causos” em outros planos.

Neste “causo”, o rompante do sujeito, embalado no berço da arrogância, recebeu, de um jeito “natural”, a devida recompensa pelo pedantismo. Quiçá os igualmente insolentes recebam suas inesquecíveis lições...

A Arrogância tem preço!

Publicado originalmente em 10 de junho de 2010

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