Meus Rabiscos
"Não Espere Pelo Epitáfio...
Provocações Filosóficas", é um prazeroso livro de Mário Sérgio Cortella
que reúne crônicas publicadas na Folha de São Paulo, entre 1994 e 2004.
O livro foi publicado em 2005. Ainda assim, os argumentos são
contemporâneos, atualizadíssimos.
Discutindo sobre o "caminho do meio"
ou os riscos provocadores de transbordamentos, há trechos da crônica
"Não espere pelo epitáfio", quatro parágrafos, que precisam ser
reproduzidos, tamanha reflexão permitida.
"Ora, há dezenas de mitos, fábulas e
histórias com a finalidade de exaltar a exclusividade e preferência do
caminho do meio; o que não se deve esquecer é que esse caminho pode
também ser o da mediocridade. Em nome da sobriedade, da prudência e do
comedimento, o máximo que se obtém em muitas situações é a mornidade
mediana, regrada e constantemente refreada".
O autor prossegue discutindo a questão
da "mornidade", se é que podemos dizer assim, e a necessária e cabível
compreensão do que é radicalismo e sectarismo. E continua nas
provocações...
"É preciso ter limites, mas, estará o
limite exatamente no meio? Não é necessário ir até os extremos, mas é
essencial não ficar restrito ao confortável e letárgico centro; muitas
vezes o meio pode ficar anódino, inodoro, insípido e incolor. Alguns
desses desejos de romper fronteiras mornas só aparecem nos epitáfios,
sempre em forma nostálgica e lamentadora de um 'eu devia ter...' Para
além da mitologia grega, não é por acaso que outros Titãs têm sido tão
festejados quando cantam de forma deliciosa e perturbadora (e muitos com
eles): 'Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer;
devia ter arriscado mais e até errado mais, ter feito o que eu queria
fazer'...
A sabedoria para equilibrar essas inquietações pode ser encontrada na reflexão feita no século 5 a.C. pelo filósofo chinês Confúcio: 'Eu sei por que motivo o meio-termo não é seguido: o homem inteligente ultrapassa-o, o imbecil fica aquém'."
A sabedoria para equilibrar essas inquietações pode ser encontrada na reflexão feita no século 5 a.C. pelo filósofo chinês Confúcio: 'Eu sei por que motivo o meio-termo não é seguido: o homem inteligente ultrapassa-o, o imbecil fica aquém'."
E ele conclui: "Radicalidade é uma virtude; o vício está na superficialidade".
Por que eu quiz trazer esse texto à tona? É que, numa abordagem anterior (Mania de Pressa),
eu discuti a questão do nosso ritmo frenético. A maneira como esse
mundo globalizado está a exigir respostas rápidas. Mal conseguimos
respirar em meio a passos atordoados. E a gente acaba se esquecendo de
olhar coisas tão simples do cotidiano. Nossa leitura sofre o revés do
óculos da pressa. E por meio dele criamos conceitos, concluímos,
definimos atitudes. Eu continuo concordando com Antonio Porchia: "as pequenas coisas são o que é eterno, e o resto, todo o resto, é brevidade, extrema brevidade".
Já numa outra discussão (Sapo Escaldado),
discuti a nossa intolerância às mudanças graduais, a forma como nos
acostumamos e nos permitidos acomodar. O quão inertes ficamos ante as
desacomodações necessárias. E o quando é imperioso o inconformismo
consciente.
Mas então, o caminho certo é o do
meio? Nem pressa e nem acomodação? Cortella entende que o meio pode ser
mediocridade. O meio é medo de ousar. O meio é acomodação.
É um convite interessante esse, o da
ousadia, dos transbordamentos. Contudo, somos seres tão imperfeitamente
diferentes que tenho medo de verdades absolutas.
A "blogueira" Pri Sganzerla, do "Devaneios e Metamorfoses" fez um comentário extremamente relevante, acerca do "Sapo Escaldado":
"Só
trazendo um testemunho: realmente não é nada fácil adotar essa postura.
E nem sempre isso é uma escolha, tem gente que simplesmente 'nasce'
assim. E enfrenta muitos percalços ao longo do caminho por ser
'diferente'. Difícil adaptar-se a um mundo que, a todo instante, insiste
em te cozinhar vivo. Mas sucumbir não é uma opção pra mim. Porque eu
sei que a dor de perder a si mesmo é bem maior do que a de lidar com a
dificuldade de ser diferente".
Então, penso que o ponto é esse: a dor
de perder a si mesmo...Se abdico da ponte que me liga a outros
transbordamentos, então me perco.
Não dá pra fugir de uma simples
verdade pedagógica: o ritmo e o tempo de aprendizagem é diferente em
cada um. A transitoriedade dos atos que constroem qualquer sujeito pode
colocá-lo, em algumas circunstâncias, no meio. Não significa estacionar
por ali, permanecer inerte. Significa, isso sim, que há um tempo
exigido para novas reconstruções do ser. E o simples fato de melhorar a
minha compreensão de mundo, de reagir à acomodação, de impulsionar
outros sonhos, por menor que seja, é um transbordamento, na respectiva
medida de cada um.
Perder a si mesmo é não ter norte. Não
saber o caminho. Não acreditar nas escolhas. É permitir-se ser
subjugado. É não aprender a consciência de lugar, de cidadania. É por
isso que ainda permaneço na dúvida, mesmo na concordância com
Cortella.Contraditório, não? O meu meio é ancoradouro de reminiscências
de aceitação? É estágio de transgressões? É ponto de parada e
estacionamento? Ou é degrau que exige o próximo passo? É parte da
construção que faço de mim mesmo ou são estereótipos que se acoplam à
minha face? É abrigo de minhas ambiguidades e idiossincrasias ou é visão
de futuro, metas e utopias de vida? É medo, paralisia e indolência ou é
instância de reflexão e ação? É bem? É mal?
Propositadamente essa discussão
permanecerá, aqui, inacabada. Devo permitir que se manifeste em cada um,
conforme a visão de "estrada" que se constrói individualmente. E você? O
que acha?
Publicado originalmente em 27 de maio de 2010
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