quarta-feira, 2 de julho de 2014

A Mediocridade do Meio

Meus Rabiscos

"Não Espere Pelo Epitáfio... Provocações Filosóficas", é um prazeroso livro de Mário Sérgio Cortella que reúne crônicas publicadas na Folha de São Paulo, entre 1994 e 2004. O livro foi publicado em 2005. Ainda assim, os argumentos são contemporâneos, atualizadíssimos.

Discutindo sobre o "caminho do meio" ou os riscos provocadores de transbordamentos, há trechos da crônica "Não espere pelo epitáfio", quatro parágrafos, que precisam ser reproduzidos, tamanha reflexão permitida.

"Ora, há dezenas de mitos, fábulas e histórias com a finalidade de exaltar a exclusividade e preferência do caminho do meio; o que não se deve esquecer é que esse caminho pode também ser o da mediocridade. Em nome da sobriedade, da prudência e do comedimento, o máximo que se obtém em muitas situações é a mornidade mediana, regrada e constantemente refreada".

O autor prossegue discutindo a questão da "mornidade", se é que podemos dizer assim, e a necessária e cabível compreensão do que é radicalismo e sectarismo. E continua nas provocações...

"É preciso ter limites, mas, estará o limite exatamente no meio? Não é necessário ir até os extremos, mas é essencial não ficar restrito ao confortável e letárgico centro; muitas vezes o meio pode ficar anódino, inodoro, insípido e incolor. Alguns desses desejos de romper fronteiras mornas só aparecem nos epitáfios, sempre em forma nostálgica e lamentadora de um 'eu devia ter...' Para além da mitologia grega, não é por acaso que outros Titãs têm sido tão festejados quando cantam de forma deliciosa e perturbadora (e muitos com eles): 'Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer; devia ter arriscado mais e até errado mais, ter feito o que eu queria fazer'...
A sabedoria para equilibrar essas inquietações pode ser encontrada na reflexão feita no século 5 a.C. pelo filósofo chinês Confúcio: 'Eu sei por que motivo o meio-termo não é seguido: o homem inteligente ultrapassa-o, o imbecil fica aquém'."

E ele conclui: "Radicalidade  é uma virtude; o vício está na superficialidade".

Por que eu quiz trazer esse texto à tona? É que, numa abordagem anterior (Mania de Pressa), eu discuti a questão do nosso ritmo frenético. A maneira como esse mundo globalizado está a exigir respostas rápidas. Mal conseguimos respirar em meio a passos atordoados. E a gente acaba se esquecendo de olhar coisas tão simples do cotidiano. Nossa leitura sofre o revés do óculos da pressa. E por meio dele criamos conceitos, concluímos, definimos atitudes. Eu continuo concordando com Antonio Porchia: "as pequenas coisas são o que é eterno, e o resto, todo o resto, é brevidade, extrema brevidade".

Já numa outra discussão (Sapo Escaldado), discuti a nossa intolerância às mudanças graduais, a forma como nos acostumamos e nos permitidos acomodar. O quão inertes ficamos ante as desacomodações necessárias. E o quando é imperioso o inconformismo consciente.

Mas então, o caminho certo é o do meio? Nem pressa e nem acomodação? Cortella entende que o meio pode ser mediocridade. O meio é medo de ousar. O meio é acomodação.

É um convite interessante esse, o da ousadia, dos transbordamentos. Contudo, somos seres tão imperfeitamente diferentes que tenho medo de verdades absolutas.

A "blogueira" Pri Sganzerla, do "Devaneios e Metamorfoses" fez um comentário extremamente relevante, acerca do "Sapo Escaldado":
"Só trazendo um testemunho: realmente não é nada fácil adotar essa postura. E nem sempre isso é uma escolha, tem gente que simplesmente 'nasce' assim. E enfrenta muitos percalços ao longo do caminho por ser 'diferente'. Difícil adaptar-se a um mundo que, a todo instante, insiste em te cozinhar vivo. Mas sucumbir não é uma opção pra mim. Porque eu sei que a dor de perder a si mesmo é bem maior do que a de lidar com a dificuldade de ser diferente".

Então, penso que o ponto é esse: a dor de perder a si mesmo...Se abdico da ponte que me liga a outros transbordamentos, então me perco.

Não dá pra fugir de uma simples verdade pedagógica: o ritmo e o tempo de aprendizagem é diferente em cada um. A transitoriedade dos atos que constroem qualquer sujeito pode colocá-lo, em algumas circunstâncias, no meio. Não significa estacionar por ali, permanecer inerte. Significa, isso sim, que há um tempo exigido para novas reconstruções do ser. E o simples fato de melhorar a minha compreensão de mundo, de reagir à acomodação, de impulsionar outros sonhos, por menor que seja, é um transbordamento, na respectiva medida de cada um.

Perder a si mesmo é não ter norte. Não saber o caminho. Não acreditar nas escolhas. É permitir-se ser subjugado. É não aprender a consciência de lugar, de cidadania. É por isso que ainda permaneço na dúvida, mesmo na concordância com Cortella.Contraditório, não? O meu meio é ancoradouro de reminiscências de aceitação? É estágio de transgressões? É ponto de parada e estacionamento? Ou é degrau que exige o próximo passo? É parte da construção que faço de mim mesmo ou são estereótipos que se acoplam à minha face? É abrigo de minhas ambiguidades e idiossincrasias ou é visão de futuro, metas e utopias de vida? É medo, paralisia e indolência ou é instância de reflexão e ação? É bem? É mal?

Propositadamente essa discussão permanecerá, aqui, inacabada. Devo permitir que se manifeste em cada um, conforme a visão de "estrada" que se constrói individualmente. E você? O que acha?



Publicado originalmente em 27 de maio de 2010

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