Metáforas
Enchente |
Certa
ocasião, numa cidadezinha distante, ocorreu um grande temporal. Nunca chovera
tanto naquele lugar. Foram dias e dias de chuva. O pequeno rio que cortava as
ruas, agigantou-se, enorme se tornou e começou a devorar casas, inundando tudo
sem a menor cerimônia.
Uma bondosa velhinha, muito religiosa, dessas beatas
de pequenas cidades, recusava-se incessantemente a deixar sua casa, já invadida
pela enchente. Teimava insistentemente e bravamente resistia. Os vizinhos,
quase todos, passavam por sua casinha e diziam-lhe:
—Senhora!
Vamos que a enchente vai inundar tudo e pode carregá-la. Vem com a gente.
Deixe-nos ajudá-la!
Ela respondia sempre com a mesma feição no rosto:
—Não!
Não vou sair daqui com ninguém! Deus vai me tirar daqui.
Todos insistiam e muito, mas nada adiantava. Ninguém
conseguia retirá-la daquele lugar. E não podia-se dizer que era amor demasiado
pela casa, era pura teimosia. Veio então o pessoal da guarda civil:
—Senhora!
Vamos sair deste barraco que a enchente já está inundando toda a cidade. Aqui a
senhora corre risco de vida.
Ela
dava sempre a mesma resposta:
—Não
meus filhos! Deus vai me tirar daqui.
A esta altura, a água já invadira sua casa e alcançava
quase um metro. Veio a polícia do lugarejo:
—Senhora!
Saia já desta casa, senão a senhora morrerá.
Ela nem ligou e voltou a responder:
—Eu
amo a Deus e ele vai me tirar daqui. Só saio pelas mãos de Deus.
O corpo de bombeiros foi chamado e quando os valentes bombeiros se
aproximaram da casa, num pequeno barco, constataram que a água já
ultrapassava um metro de altura:
—Senhora!
Não vê que a água já invadiu sua casa? Deixe-nos ajudá-la! Vamos! Dê-nos sua
mão e suba no barco.
Ela, sentada em uma cadeira colocada em cima da mesa,
nem mudou a postura:
—Já
disse que só saio daqui pelas mãos de Deus. Ele vai me ajudar.
Muitos outros apelos foram feitos e nada resolveu.
Muitos outros tentaram e nada adiantou. Quando a água já ameaçava querer cobrir
a casa da boa velhinha, o corpo de bombeiros, sensibilizado, não mediu esforços
e mandou que um helicóptero recolhesse a boa velhinha. Posicionou-se bem
próximo ao telhado da casa, que a esta altura já abrigava a boa velhinha:
—Senhora!
Por favor, deixe de tanta teimosia e venha. A senhora vai morrer se permanecer
sentada neste telhado. A enchente ainda virá mais forte.
Ela, pacientemente falou:
—Já
disse. Só saio daqui pelas mãos de Deus. Ele vai me ajudar.
Depois daquela última conversa, ninguém mais ouviu
falar da boa velhinha. Mas, no céu, recebida pelo Senhor da Vida, ela pôs-se a
questioná-lo:
—Como
pode senhor?! Eu esperei tanto, confiei tanto, acreditei tanto e o senhor me
deixou morrer?! Como pode Senhor?! Como
não apareceu?! Por que me deixou morrer sem me ajudar?! Por que não me salvou?!
Uma voz mansa, tranquila, bondosa e mágica se fez
então ecoar:
—Minha filha! Tudo
fiz para salvá-la. Mandei pessoas a persuadi-la. Pessoas para oferecerem-se em
ajuda. Mandei autoridades. Mandei barco para retirá-la e olha, até mesmo um
helicóptero você recusou.
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