Parafraseando Sabino, da caminhada ficam três coisas:
a certeza de que estamos sempre começando.... a certeza de que precisamos continuar... a certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...
Assim, o exercício da aprendizagem convida a fazer da interrupção um caminho novo... da queda, um passo de dança... do medo, uma escada... do sonho, uma ponte... da procura, um encontro.
Os passos não podem ficar adormecidos na estrada...
Pois é... Remexer em arquivos de backup dá nisso! Vasculhar arquivos é relembrar o tempo ido... O que é impressionante é que a poesia não se envelhece nunca e os rabiscos, um dia lançados a ermo, de repente são resignificados, ganham outros contornos, permitem outros voos, que não assombram... ao contrário, permanecem convidativos. Numa dessas "remexidas" resgatei o texto construido, talvez por outro cara, ou quem sabe, pelo mesmo cara que ainda mora nesta alma de caminheiro. Eis o texto, que à época chamei de "Cumplicidade Virtual":
O ato da indagação supõe ousadas vontades travestidas de incertezas e incólumes desejos,ambas as coisas, nascidas do sonho vivido.
Sonho que, inerte, pergunta se vale o caminhar...
Se o caminho existe...
Se espinhos são oferecidos...
Se pés descalços merecem o chão...
Se o caminheiro não é virtual...
Tão somente virtual...
Nesse íntimo e sombrio solilóquio, ainda matizado pela virtualidade, manifesta-se a euforia que não ressente o medo...
Que imagina a face, mas não vê o olhar...
Que toca os lábios, mas não ouve os sussurros...
Que se deleita na pele suave, mas não mergulha na alma...
É quando então ressurgirmos e junto carregamos o medo.
Medo de ousar...
De viver...
De pertencer...
De permitir-se...
De encontrar e desencontrar...
Medo do sonho ser verdade e da virtualidade, ainda que desconhecida a incompletude, faça repousar, insana, a vida em frenesi.
Só uma palavra então é permitida à imensidão dos olhos, ao sussurro da voz e aos inquietos gestos de busca: ENCANTAMENTO.
Opto então por pensar “partidas e chegadas”
enquanto processos evolutivos do ser, enquanto instâncias de refazimento de si
e de criação das novas metas, em constante processo "espiralado" de
reconstrução.
Essa evolução, por todos experimentada, talvez com
ponto de partida bem delineado, mas sem ponto final ou de chegada definido, por
conta também das involuções sofridas, é a trajetória natural de cada ser
humano.
A falta do ponto final nos remete à estrada sem
fim, à amplidão do rumo, onde o horizonte é tingido, aos nossos olhos, por
cores de nevoeiro, poeira, chuvas torrenciais, escuridão, reflexos de luzes,
enfim, são metáforas dos desafios a ultrapassar, das curvas montanhosas a
sobreporem declives e aclives acentuados, e tudo isso nas desconhecidas formas
e condições de prosseguir os passos.
Evolui-se entre tantas chegadas e tantas partidas,
por vezes concomitantes. Alguns param na chegada. Outros não querem mais a
partida. Alguns se aquietam nos pontos de descanso da estrada e não se pode
dizer que são menos felizes por isso. São escolhas. Optou-se por permanecer
naquele lugar, independentemente das limitações impostas. É que nem todos tem a
aptidão para explorar outros caminhos, a alma não é expedicionária e nela não
mora a curiosidade, nem tampouco a ousadia. Ou nada disso. Apenas se escolheu ficar...
Outros são afoitos nas partidas. Não saboreiam a
chegada. Não permitem que os olhos descansem, por segundos sequer, nas novas
paragens. Não apreendem, portanto não aprendem. O pensamento intuitivo ignora o
convite reflexivo. Etapas são puladas. Esses também não são menos felizes por
isso! Só há pressa. O olhar, talvez, esteja lançado adiante. Outras são as escolhas. Também esses não são menos felizes por isso...
Outros ainda enamoram-se das chegadas, tecem laços
emotivos para além do tempo permitido. Acomodam-se na intensificação do sabor
experimentado. Lambuzam-se, em demasia. Adormecem nos braços convidativos da
suposta felicidade que não reclama reforço, cuidados ou sonhos. O tempo, quem sabe, um pouco mais adiante, vai exigir desses algum desapego e releituras. E também não
são menos felizes por isso!
Há então os que titubeiam ante as escolhas de
partir ou de chegar. Há medo de partir, pois não se quer abrir mão do que já
tem. Há medo de chegar, pois o enfrentamento dos desafios vestidos de “novo e
desconhecido” faz desestabilizar a autonomia. Incertos dos passos e dos
rumos, acolhem os ditames de outros viajantes, muitos desses oriundos de
lugares inóspitos e inabitados por almas humanas. Incautos, sobrevivem à sombra
de si mesmos, desconhecendo dores aguçadas e sorrisos engrandecidos, por isso
respiram involução, num edema pulmonar prestes a subtrair-lhes a vida. Esses
sim, provavelmente são menos felizes por isso!
Ser feliz então, entre partidas e chegadas ou entre
chegadas e partidas, exige a capacidade de seguir adiante, com a humilde
consciência do aprender a aprender e do aprender a ser; do refazer-se, do
desconstruir e reconstruir-se, em permanente estado de alerta. É insistir nos passos,
ir com as mãos vazias e límpidas, dando sacudidelas nos entulhos não
recicláveis, revigorando-se e lançando fora o que já não serve mais. Seguir
evoluindo, não desconhecer as involuções, mas jamais fugir das escolhas.
E, se preciso for, vale o “metamorfoseio”
ambulante, já cantado por Raul: “... prefiro ser essa metamorfose ambulante,
do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Do que ter aquela velha
opinião formada sobre tudo. Sobre o que é o amor, sobre o que eu nem sei quem
sou...”
Hoje, por alguma razão que desconheço, deparei-me com um discurso que fiz numa formatura, quando ainda dirigia uma faculdade. Rememorar... Permitir que outro mundo desfile, uma vez mais, em lembranças impregnadas de carinho e, porque não, também de saudades das pessoas com as quais se compartilha uma grande caminhada.
Nesse texto, como sempre eu fazia ao final da fala, há uma metáfora simples, mas contundentemente significativa naquele contexto específico. Eis a metáfora:
O menino olhava a avó escrevendo uma carta. A certa altura, perguntou:
— Vovó! A senhora está escrevendo uma história que aconteceu conosco? E, por
acaso, é uma história sobre este seu neto?
A avó parou de escrever a carta, sorriu e comentou com o netinho:
— Estou escrevendo sobre você, é bem verdade, entretanto, mais importante do
que as palavras, é o lápis que estou usando. Gostaria que você fosse como ele,
quando crescesse.
O menino olhou para o lápis, intrigado, e não viu nada de especial.
— Mas ele é igual a todos os outros lápis que vi em minha vida!
A avó, pacientemente, então explicou:
— Tudo depende do modo como você olha as coisas. Há cinco qualidades nele
que, se você conseguir mantê-las, fará de você sempre uma pessoa em paz com o
mundo...
— Primeira Qualidade: você pode
fazer grandes coisas, mas não deve esquecer nunca que existe uma mão que guia
seus passos. Esta mão nós chamamos de Deus, e Ele deve sempre conduzi-lo em
direção à sua vontade.
— Segunda Qualidade: de vez em
quando eu preciso parar o que estou escrevendo e usar um apontador. Isso faz
com o lápis sofra um pouco, mas no final, ele estará mais afiado. Portanto,
saiba suportar algumas dores, porque elas o farão ser uma pessoa melhor.
— Terceira Qualidade: o lápis
sempre permite que usemos uma borracha para apagar aquilo que estava errado.
Entenda que corrigir uma coisa que fizemos não é necessariamente algo mau, mas
algo importante para nos manter no caminho do bem e da justiça.
— Quarta Qualidade: o que
realmente importa no lápis não é a madeira ou sua forma exterior, mas o grafite
que está dentro. Portanto, sempre cuide daquilo que acontece dentro de você.
— Finalmente, a Quinta Qualidade
do lápis: ele sempre deixa uma marca. Da mesma maneira, saiba que tudo que você
fizer na vida, irá deixar traços. Portanto, procure ser consciente e grandioso
em cada ação realizada.
Pois é... uma metáfora simples, mas que instiga! Propicia a reflexão e convida a não temer a prática revisionista, afinal, mudança é antes de tudo um ato de bravura. Por vezes é preciso saber usar a borracha... não alimentar a dor.
E a alma, feito o grafite, precisa sobreviver às intempéries, principalmente com atitudes de humildade e lealdade. Feito isso, certamente seremos incansáveis na arte de lançar traços por onde a estrada nos levar e, ao longo do tempo, uma aquarela multicores espelhará o ser que nunca se cansa de aprender: haverá sempre um traço novo a ser realizado!
"Processos são passos dados em direção a algo, mantendo certa
unidade e regularidade, sob influência de alguma coisa endógena e exógena.
Nas
instituições, esses passos delineiam uma dança cuja natureza é resposta à
música administrativa adotada.
Na dança das
escolas, os dançarinos da gestão educacional não podem perder o ritmo. (É
preciso dizer que todas as relações escolares se constituem, indubitavelmente,
gestão educacional, já que visam a ações planejadas de aprendência e
ensinamentos entre si e consigo mesmos e as propiciam.) Se algum destrambelhado
não cadenciar — dance ele sozinho, com outro ou outros— esse desastre afeta todos os seus colegas,
comprometendo a estética funcional da instituição. No mundo de eficientes
metodologias administrativas de hoje, como no maravilhoso mundo grego de
outrora, o que é belo para alguma coisa é-lhe também bom.
Qualquer
desafinação da composição musical da escola não só pode prejudicar a
performance executiva de cada sistema, como comprometer a sua imagem interna e
externa.
Como a dança
requer técnica e expressividade almejando o belo, ela se caracteriza como arte.
É processo artístico em andamento, mas, também, produto intermediário em busca
de um produto final cada vez mais aprimorado.
Individual e
coletivamente, os dançarinos carecem de ensaios e atualizações técnicas
constantes; graça e garra na coreografia do cotidiano; engajamento e maturidade
emocionais; comprometimento pessoal; sintonização de um com o outro e de todos
com as danças institucionais. No emaranhado dessas danças, há aquelas que
analisam, informam, projetam e checam as outras, que, para serem magistralmente
dançadas, precisam de instrumentos que toquem adequadamente.
Quem
dança— independentemente de ser
dançarino principal, coadjuvante ou mero figurante—, se não desafinado por desídia,
incompetência e que tais, contribui relevantemente para o êxito do espetáculo
institucional. Assim, merece cooperação dos colegas, respeito humano,
reconhecimento dos públicos a que serve, direito ao usufruto pleno do diapasão
que lhe cabe na instituição.
Os diversos e
vários processos utilizados pela escola, para o desempenho máximo de suas
funções de educadora maior da sociedade, requerem dançarinos exímios e
dedicados.
Qualquer que
seja a dança do organismo institucional, das mais complexas às mais simples, os
setores e pessoas que nela trabalham devem, sempre, estar harmônicos, por mais
competitivos sejam aqueles e competidoras estas.
As danças
decorrentes das músicas administrativas adotadas por esta ou aquela escola,
conforme sua missão, visão e metodologia, não podem deixar de seguir os sábios
ensinamentos das danças circulares para alcançar a apoteose institucional.
As danças
circulares, que existem desde as comunidades primitivas às pós-modernas de hoje
e nas diversas partes do mundo, dizem-nos que se dança de mãos dadas uns com os
outros, para que ninguém perca o ritmo, porque a beleza do espetáculo só pode
ocorrer se não houver exclusão ou humilhação de ninguém.
Espera-se, dos
maestros e maestrinas que regem as músicas das escolas, um gestual de batuta no
ritmo e na harmonia adequados às danças que geram a formação eficaz, eficiente
e integral dos dançarinos escolares: alunas e alunos; professoras e
professores; administradoras e administradores; administradas e administrados."
Fernando Caramuru Bastos Fraga
Editorial da Revista Dois Pontos - nº 43 - julho/agosto de 1999