domingo, 4 de julho de 2010

Trocadilhos I


Chorar o Leite Derramado

O arrependimento é implacável, quando a índole nutre-se de verdades e ética. A nossa humana propensão ao erro é fato, ocorre em razão das crenças cultivadas e nem sempre se revela mesquinha, má, vil. Ocorrem enganos, escorregadelas involuntárias quase, mas que ferem, que machucam.

A atitude a ser emprestada é, primeiro, o perdão a si mesmo. Saber reconhecer-se imperfeito e aprender na imperfeição a reconstruir-se melhor. Depois, é preciso humildade para o reparo exigido. Humildade significando "esvaziamento de si" , enquanto ausência de concepções prévias, de verdades intactas e absolutas. Significa a mais profunda e íntima manifestação de reconhecer-se na imperfeição, sua e do outro. É preciso ir em busca disso. É preciso não estagnar-se, em si mesmo, ou ensimesmar-se na arrogância. Percorrer, solitário, o vale das lamentações em nada contribuirá, em nada modificará o que posto está. Implica então em assumir, na totalidade, o seu próprio tamanho.



Encher Linguiça
As falas grandiloquentes nem sempre guardam coerência e nem sempre revelam verdades. Há máscaras que falseiam, apenas ajudam na performance das interpretações fantasiosas e equivocadas no palco da vida. Não é difícil lidar com "falas" dessa natureza, se externas a cada um. Difícil é lidar com esses "textos" construídos pra dentro, digeridos no confuso exagero da autoestima, em verdade autossuficiência. É quando o vazio existencial se torna um lugar lúgubre, tenebroso, solitariamente assustador. Quanto mais se tenta alcançar a aceitação, a reputação ou a glória, tanto mais de "nada" o vazio se encherá.

A atitude, primeira, é a da paciência consigo mesmo. Dosar a ansiedade da fala, dos gestos ou das fanfarrices. Depois, é exercer a tolerância em relação ao que partilha. É preciso esforço para compreender as vicissitudes e idiossincrasias no círculo de relações. Mais uma vez as imperfeições se revelam carentes. A empatia, tão árdua na aplicação, merece ser visitada e concedida. Os exercícios de descoberta, na aventura da reinvenção de si mesmo, passam a ser o programa predileto na dimensão humana. Embrenhar-se na selva das contradições, dos pesadelos do ser e das incompletudes desnorteantes, permitirá revisar-se por inteiro e alocar outros significantes no espaço não mais vazio. Em processo.



Engolir Sapo
Atire a primeira pedra aquele que nunca se "explodiu" de contrariedade. E reprimi-la é o pior dos remédios. Não há coração que aguente e nem estômago que resista. Por vezes o insulto, a humilhação, o sarcasmo, o escárnio, o mandonismo exacerbado, a prepotência, o jogo de poder, enfim, inúmeras situações nos retiram dos trilhos e sem pestanejar, já desferimos respostas que agigantam o estrago. Ou então, vem a acomodação, e os sapos passam a ser digeridos na constância da passividade. O organismo se acostuma a não mais vomitá-los e a não mais expeli-los. As escolhas impõem riscos de toda sorte.

A atitude a ser proposta é a da resistência consciente, da dignidade que não se vende, da firmeza de propósitos edificados na ética. Ainda assim, quando preciso, dar a face à bofetada é um ensinamento a não ser esquecido. A ignorância, se revidada, vira lugar comum, que não mais diferencia, não mais distingue. A resignação é o exercício da bondade, e muitas vezes da caridade. Entretanto, hostilizar a prepotência ou solapar a si mesmo, ante o enfrentamento da injustiça ou opressão, só fazem imperar o caos que sustenta o egocentrismo humano.  Hora de arrefecer os ânimos, recobrar a calmaria, concentrar-se na exuberância que reside em si mesmo e tratar, com serenidade, os descompassos.

Pagar o Pato
Responder por ações ou irresponsabilidades de outros é sofrer consequências dolorosas e incabíveis. Quantas e quantas vezes somos vitimados por "senhores do poder" que corrompem, se enriquecem nas masmorras da miserabilidade do povo e ao mesmo povo retornam com retórica afiada, a rir de tamanha e esquálida benevolência. "Senhores" que não aparecem nem na  "Voz do Brasil", mas que se infiltram nos porões do poder e com astúcia vilipendiam a boa fé. Por fim, vencem instituições já falidas, escamoteiam projetos reclamados, zombam da dignidade e fazem triunfar nulidades. E cada um paga o preço da distância que permitiu abrir.

A atitude não é outra senão indignar-se, na prática. Não é outra, senão gritar basta. Não é outra, senão fazer valer a cidadania e expelir, da democracia, esses intragáveis gatunos bem vestidos na mordomia do poder. É preciso repudiar o cabresto, jogar ao chão a sela imposta e extirpar, vez por todas,  as viseiras que retiram a vida da visão sistêmica e integral da realidade. Se a ausência de educação, e a criticidade por ela despertada, é apontada como responsável pelo cenário, então já é tempo de ressuscitar, em cada um, o cidadão que não se deixa enganar, não aceita o "arreio" e não tolera mais a rédea, para então propagar uma nova ordem, uma nova possibilidade, ou quem sabe até uma nova utopia. Importa que não se cale. Que não se submeta ao jugo. Que não se deixe corromper.

Fotos: google

17 comentários:

  1. Olá Gilmar!
    Você tem toda razão, precisamos parar de chorar o leite derramado e tomarmos atitudes, não nos deixar enganar por discursos "eloquentes"...e tudo mais, poquê depois nós mesmo é que pagamos o pato.
    Muito bom seu texto.
    Perfeito!
    Bjs querido
    Mila Lopes

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  2. Gilmar ótima narração de trocadilhos e sua consequência na vida prática.
    Engolir sapos, eventualmente, um ou outro por necessidade e ocasião. No todo não engulo mesmo. Coloco a boca no trombone - rs.
    Pagar o pato, nossa como vemos atitudes irresponsáveis afetando outras pessoas e pior querendo culpá-las. Pago o pato que é meu, os outros tem que arcar com as consequências de suas atitudes irresponsáveis.
    Um beijo e bom domingo

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  3. Seu texto é fantástico.PARABÉNS.
    Amei a redação e imagens. super..Super..Inteligente.
    AGRADEÇO E RETRIBUO O SEU CARINHO.
    Tem um carinho para vc. na CURIOSA. Um troféu ouro muito especial.
    Espero que goste. É de coração que repasso

    A amizade não ocupa nenhum lugar no espaço, muito menos no coração da gente.
    Por isso sua amizade é muito importante.
    Trófeu para todos nós que somos amigos.
    Carinhosamente,
    Sandra

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  4. acho que o mais dificil não é chorar o leite derramado,e sim perdoar-se.
    obrigada ,Gilmar, pelo carinho da visita,
    Excelente,final de semana!
    Boas energias,
    Mari

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  5. Gilmar,
    Quatro atitudes que nos acomete vez ou outra e que é bom refletir assim lendo a respeito.
    Chorar depois que o leite está derramado importa só se for pra nao deixá-lo derramar o que resta no copo.
    Encher linguiça é uma atitude contrária aos princípios maais honestos que aprendemos em família, ser correta e verdadeira.
    Engolir sapos que nao seja todos! rsrs e pagar o pato deus me livre, é odioso sentir a culpa recaindo sobre quem nao a tem.
    Enfim , voce me traz bons textos e é otimo vir aqui.
    abraços e que a semana seja de atitudes corretas e cabeça encima do ombro, firmes , a vida exige !
    com meus abraços

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  6. Meu amigo
    Um belo texto muito abrangente, mas chorar pelo leite derramado, não adianta.
    Obrigada pelo carinho no meu cantinho.

    Beijinhos
    Sonhadora

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  7. Gilmar,
    Vc é incrivel, quando te leio sinto uma vontade de estar mais próxima e poder continuar com o texto, num debate, ou acrescentar alguns exemplos, porque são tão comuns àquilo que penso, porém tenho as palavras menos polidas, são rudes, grossas, mas saem com tanta força, que por vezes perdem a razão e o sentido com o calor do volume...

    Quem dera eu poder tece-las de tal forma a fazer me entender por mais ou melhor?

    Talvez me faria uma pessoa melhor compreendida ou menos pior compreendida ou ainda mais relacionada, amada, enfm...mas quista do que repulsiva (em muitos momentos fui e talvez serei).

    Em todas essas situações expostas, deixo-me vencer pelas emoções...pelo sangue que corre na velocidade do som das voz, com os pensamentos, articulados e estrategicamente formados para ferir, rápidos, como uma lança!

    No alvo é certeiro e mortal, porém mais mortal para quem lançou do que o atingido...

    Adorei seu texto, parabéns de novo!

    Vou sim dar parabéns quantas vezes eu achar que és merecedor, porque admiro essa sua capacidade, que com certeza foi dada por DEUS sim, mas agarrada com todas as forças por vc!

    Abs

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  8. Gilmar querido amigo...adorei...ficou perfeita a explicação de cada trocadilho...nos leva a refletirmos cada situação, diante de como reagimos na vida...

    Tenha uma semana plena de felicidade...
    Beijos
    Valéria

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  9. Encher linguíça. rsss
    Engolir sapo é o fogo. rs
    Amigo, parabéns por sua participação n promo do Femina e por ter feito um texto tão lindo!
    Bjs! Lu & Marcinha.

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  10. Quem ja nao encheu linguica, engoliu sapo, pagou pato,, chorou pelo leite derramado?
    Pois eh! Eh parte da vida... mas o bom mesmo eh aprender sempre um pouco mais sobre esses dizeres diarios, para os quais muitas vezes nao prestamos atencao...
    Adorei, meu querido!
    B eijos, flores e muitos sorrisos!

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  11. Olá, amigo.

    As imagens são perfeitas e no auge do meu mal estar físico, causaram mais arrepios que normalmente causariam em razão da associação imediata aos "ditados" populares.

    O "encher linguiça" eu aplicaria a muitos blogues por aí. Até onde entendi, você também. É cômico, não é?

    Sobre sapos eu gosto particularmente quando você escreve. Não é a primeira vez que falamos de sapos e do verbo engolir ao mesmo tempo por aqui... Acontece tanto que a recorrência do fato gera a recorrência do assunto. A imagem é indigesta, parabéns pela escolha.

    Mais uma vez, uma boa leitura fiz por aqui. Com o computador no colo, esparramada no sofá, ainda sonolenta e cumprindo com seriedade o conselho médico de repouso, agradeço a leitura e aviso: o jANELA vai "repousar obrigatoriamente" por alguns dias.

    Um grande abraço,
    Michelle

    PS: vi que este foi apenas o "Trocadilho I". Aguardarei o "Trocadilho segundo" curiosa. Bjs!

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  12. É só para dizer que cheguei
    E já estou a trabalhar
    Assim que puder voltarei
    Para o vosso post comentar

    Já estou no meu cantinho
    E vi por aqui tantas visitas
    Obrigados pelo carinho
    E as palavras tão bonitas

    Quero vos agradecer
    Do fundo do coração
    E continuar a merecer
    A vossa consideração

    Um grande abraço,
    José

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  13. Gilmar,vc escreveu como quem deixa sair o grito que estava sufocado em nossas gargantas!Um texto maravilhoso,profundo e polemico para horas de conversa e reflexões!Adorei!Abraços,

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  14. Um texto que me falou diretamente à alma! Constatações importantes com orientações libertadoras.

    Quem me dera ser capaz de um dia não cair nessas armadilhas com a frequência com que ainda caio hoje...

    Eu diria que é o melhor texto seu que li até o momento. Talvez porque a identificação tenha sido imediata em várias esferas.

    É um texto pra ler, reler e digerir e ler novamente! rs Algo para ser colocado em prática no dia-a-dia.

    Peço sua licença para publicá-lo integralmente no meu outro blog, o "Fragmentos Alheios", no qual "coleciono" textos, fragmentos, letras de música ou qualquer trecho escrito que tenha me tocado de alguma forma.

    Parabéns pela excelente reflexão!

    Bjos!

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  15. Oi Gilmar....esas práticas fazem parte do nosso cotidiano, do nosso convivio seja ele no trabalho, em familia ou qualquer que seja o lugar...
    Cabe a nós sabermos enfrentar cada situação...
    Uma coisa é certa...engolir sapos não faz bem pra saúde...encher linguiça não nos leva a lugar algum...chorar o leite derramado não nos tira do problema e por fim, ai sim, pagamos o pato...
    Bom para refletir amigo...um abraço na alma...

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  16. Olá, não sei porque "cargas d´água" ao acessar meu blog teclei "próximo blog". Eis que surge o seu. Agradeci ao meu "insight" . Adorei seu post! Genial! Digno de ser impresso e afixado em algumas salas de trabalho, como a minha, por exemplo.[rs] Um abraço amigo.
    Ah...ou/e também na porta da minha geladeira.[rs]

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  17. Olá, não sei porque "cargas d´água" ao acessar meu blog teclei "próximo blog". Eis que surge o seu. Agradeci ao meu "insight" . Adorei seu post! Genial! Digno de ser impresso e afixado em algumas salas de trabalho, como a minha, por exemplo.[rs] Um abraço amigo.
    Ah...ou/e também na porta da minha geladeira.[rs]

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Fique à vontade!
Os comentários têm a função precípua de precipitar a maturação da reflexão, do texto “apossado”. É um ponto de partida, sem o ponto de chegada. É o exercício da empatia no rompimento do isolacionismo, posto que, tudo está conectado. É a sua fala complementando a minha. Por isso mesmo fique à vontade para o diálogo: comentar, concordar, discordar, acordar...