terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Duplo silêncio



Foto: Aender (Arcos-MG)



"Dois amigos cultivavam o mesmo campo de trigo, trabalhando arduamente a terra com amor e dedicação, numa luta estafante, às vezes inglória, à espera de um resultado compensador.

Passam-se anos de pouco ou nenhum retorno, até que um dia chegou a grande colheita. Perfeita, abundante, magnífica, satisfazendo os dois agricultores que a repartiram igualmente, eufóricos. Cada um seguiu o seu rumo.

À noite, já no leito, cansado da difícil lida daqueles últimos dias, um deles pensou :
"Eu sou casado, tenho filhos fortes e bons, uma companheira fiel e cúmplice. Eles me ajudarão no fim da minha vida. O meu amigo é sozinho, não se casou, nunca terá um braço forte a apoiá-lo. Com certeza, vai precisar muito mais do dinheiro da colheita do que eu".

Levantou-se silencioso para não acordar ninguém, colocou metade dos sacos de trigo recolhidos na carroça e saiu.

Ao mesmo tempo, em sua casa, o outro não conciliava o sono, questionando :
"Para que preciso de tanto dinheiro se não tenho ninguém para sustentar, já estou idoso para ter filhos e não penso mais em me casar. As minhas necessidades são muito menores do que as do meu sócio, com uma família numerosa para manter".

Não teve dúvidas, pulou da cama, encheu a sua carroça com a metade do produto da boa terra e saiu pela madrugada fria, dirigindo-se à casa do outro. O entusiasmo era tanto que não dava para esperar o amanhecer.

Na estrada, escura e nebulosa, daquela noite de inverno, os dois amigos encontraram-se frente a frente. Olharam-se espantados. Mas não foram necessárias as palavras para que entendessem a mútua intenção.

Amigo é aquele que no seu silêncio escuta o silêncio do outro."



Quando decidi escrever num blog, confesso que não alimentava muitas perspectivas! Precisava, isso sim, de uma válvula de escape onde pudesse eclodir e fazer implodir os fantasmas que assombravam a caminhada!

Alguns gritos metaforizados foram lançados. Aos poucos despiam e enfraqueciam os fantasmas. A blogagem já ganhava outros contornos!

Esta metáfora, da lenda judaica, espelha exatamente essa vivência! Aos poucos, na virtualidade das falas, pessoas, seres humanos como eu, chegaram mais perto, acolheram e foram acolhidas.

Nenhuma explicação foi exigida! Nenhuma referência solicitada! Nenhum currículo foi preciso estampar! Nada!

A "pertença" foi tecida em cada postagem ainda que silenciosamente lida, numa reciprocidade sem igual.

Cada um dos caminheiros, tal como este caminhante, tem seus percalços, suas atribulações, suas incompletudes e suas fragilidades. Entretanto, cada encontro vivenciado fortaleceu a fé em si e no outro, a crença na validade das utopias de vida e sobretudo, a comunhão de pensamentos, ideias e de almas humanizadas!

E é assim, nessa teia silenciosa, que as pessoas se dão umas às outras, cultivando a generosidade e a verdadeira amizade.

E é também, nessa teia tecida coletivamente, que se aprende a não desatar os fios que unem, a não partir os laços que acolhem. Aprende-se a respirar carinho, afetividade, compreensão, admiração e alegrias.

Não é contraditório afirmar que há sobriedade nesta virtualidade. E nem mesmo seria enganoso dizer que há "presença viva" nesses encontros virtuais dos diálogos saboreados. Não! Não é contraditório e nem enganoso! As pessoas, por aqui encontradas, passam a transitar, "silenciosamente", em nossas vidas.

Silenciosamente porque não precipitam julgamentos, não escutam as hipocrisias e nem se ferem nas vaidades imbecilizantes. Ao contrário, transitam silenciosas porque se dão, ousam apropriar-se da pertença que ata, ousam misturar-se nos pensamentos e ideias, uns dos outros, tornados "seu" ou "meu".

Uma letra rabiscada é um olhar permutado, pronto a ser discernido. Um conto, uma poesia, uma gravura ou qualquer outra imagem, enfim, qualquer que seja a fala, significa principiar o diálogo.

É também, por conta de tudo isso que, quando nos ausentamos, quando "tiramos" férias de nós mesmos e "damos" férias aos outros, bate um vazio na alma, uma falta absurda de "gente" ao redor.

Cada um faz uma falta tremenda!

Então, enquanto cada um de vocês vem trazendo um pouco da própria colheita, saibam que também volto oferecendo-lhes, silenciosamente, um pouco da minha colheita!

Pronto! Cá estamos! Uma vez mais nos encontrando na estrada! Neste mesmo imenso campo onde "semeamo-nos", uns para os outros!

Que perdure o encontro! 

Publicado originalmente em 31 de julho de 2010

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