Relógio Tarefeiro - fonte da imagem: Revista Espaço Aberto |
Meus Rabiscos
A gente tem mania de pressa... Somos movidos a urgências. E a gente corre, quando devia acalmar os passos.
Talvez, daqui a algum tempo, a
memória venha cobrar contas difíceis. Exigir reparo a tantas
transgressões idas, sob a égide da pressa.
Nossa ordem de prioridades
raramente contempla a efetividade da afetividade. Somos premidos por
resultados. Respostas ágeis ao labor dos dias mais nublados.
Apressa-se o olhar. Ele já não
carrega tanta ternura e compaixão. Os corpos em movimentos laterais e
diante dos passos (e até mesmo aqueles prostrados nas calçadas), são
apenas pontos demarcados no espaço para desvio de rota. São objetos
sobre os quais já não se presta tanta atenção. Há pressa de cruzar a
rua. Chegar noutro lado.
Os seres, "inanimados", que
circundam minhas adjacências também emprestam a mesma redundante pressa
no olhar. Engraçado isso! Estranhos tão próximos, quase sempre numa
mesma rua, numa mesma esquina... mas ainda estranhos. São mais estranhos
que a vitrine da loja. Nessa os olhos costumam repousar, ainda que a
avidez exija olhar tudo em tempo recorde.
Se os passos são rápidos e
largos, alguns encontros são também sufocados, quando não, fugazes. Há
pressa no abraço. Por vezes ele é trocado por um rápido aperto de mãos,
isso quando, por intransigência do outro, já não é mais possível
oferecer apenas um sorriso morno, com pequenos movimentos alternados das sobrancelhas. Uma melancólica tentativa de justificar a pressa.
Por conta da pressa,
desaprendemos a arte de escutar os sons relâmpagos do cotidiano. Minha
voz precisa eclodir, antes de qualquer outro. A intolerância exige ritmo
acelerado. A paciência se esvai. A pressa não permite tais banalidades.
Tais deleites são refugados na contraordem do ritmo frenético.
Desaprendemos a procrastinar...É
isso mesmo! Talvez se assim o fizéssemos, poderíamos reter o tempo...
acalmar os passos... abafar o tic-tac do relógio tarefeiro e, quem sabe,
olhar com a alma a simplicidade das "coisas" esquecidas.
É na calmaria, longe das turbulências incontidas, que o horizonte faz descortinar outras possibilidades. É como diz o poeta:
"Ando devagar porque já tive pressa,E levo esse sorriso, porque já chorei demais,
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe,
Só levo a certeza de que muito pouco eu sei, ou
Nada sei, conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs.
É preciso amor pra poder pulsar, é preciso paz
Pra poder sorrir, é preciso a chuva para florir".
Publicado originalmente em 21 de maio de 2010
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