Meus Rabiscos
Se
eu fosse mulher, por um dia, queria desconhecer o cansaço e a
irritabilidade da rotina, nos afazeres de casa. Não conseguiria ser essa
mulher multifunções, "multitudo". Essa mulher "prendada" não
sobreviveria!
Queria
navegar em descobertas esfuziantes e a primeira curiosidade seria sobre
os "mistérios" que povoam o banheiro feminino. Saber porque se vai ao
banheiro feminino em duplas ou tríades, o que acontece lá dentro e
porque o retorno é sempre acompanhado de largos sorrisos na face. Talvez
sejam os encantos do "espelho espelho meu", em meio a bolsas recheadas
de surpresas. Talvez...
Outra
sensação, que deve ser deliciosa para se descobrir, seria o uso
despudorado do cartão de crédito. Essa moeda plástica, que tantos
desatinos provoca, tem seus segredos revelados em sapatos, roupas e
outras tantas sacolas de grifes. Deve ser fantástica a emoção compulsiva
das compras! Loja após loja, num infindável movimento de despir e
vestir, até o "é esse"! Mais uma relíquia para o closet.
De
outras tantas eu fugiria. Depilação então, nem pensar! Precisaria ser
sofisticada, a laser ou qualquer outra tecnologia indolor. Nada de
stress! Nada de baixas na autoestima!
De
algumas não abriria mão: perfumes marcantes, hidratantes
rejuvenescedores, peelings revigorantes, silhueta justa e contornos de
violão, uma sereia que não exigisse dietas mirabolantes. Comer sem
culpa, viver sem culpa! Por um só dia é até imaginável!
O melhor
seria mesmo descobrir o "secreto" das falas, das conversas informais,
dos segredos femininos discutidos sem receios, entre iguais. Saber tanto
das dores quanto do êxtase! As aventuras inconfessas, as ousadias e
transgressões segredadas.
Mas ser
mulher, por um só dia, não seria apenas deliciar-me em futilidades da
moda, medidas do corpo, pernas torneadas, bumbum enrijecido, pele
delicada, cabelos tratados, cosméticos milagreiros e tantos outros
"apetrechos" admoestadores do necessário embelezamento. Xô celulites, Xô
estrias, Xô culotes. Por um só dia dá prá ficar sem tudo isso!
Ela
também é espiritualizada, batalhadora, racional, ímpar. Eu seria então
uma mulher superpoderosa, fazendo escolhas de felicidade, não as
malogradas. Num só dia dá prá apostar nessas possibilidades.
Todas
essas questões de ordem profissional, social e familiar, não seriam tão
impossíveis de contornar, afinal, só um dia, passa rápido demais. A
enxaqueca nem conseguiria se aproximar.
O grande
problema seria controlar a libido. Ah, este seria um problema
desastroso a se resolver. É que, enquanto mulher, ainda que só por um
mísero dia, não me desvencilharia do meu lado "gay"!
"Arrgggg"!
Homens? Nem pensar! Coisa mais esdrúxula, mais repugnante! Os trejeitos
arrogantes, a empáfia de conquistadores, o machismo "imbecilóide", os
hábitos constrangedores. Não! Isso já seria sacrificante, ultrajante
até! Melhor revigorar o meu lado "gay", enquanto mulher!
O lado
masculino, na mulher por um só dia, seria o imperativo a não escapulir
dos traços. E ele é tão forte, tão encantado pela mulher, que mesmo em
sua pele, seria impossível não se perder na beleza do olhar, no desenho
dos lábios, no contorno da face, no convite dos olhos, na sedução do
andar e no desejo que faz exalar!
Se eu
fosse mulher, por um só dia, haveria de fazer sobreviver e sobrepor a
todos os outros, a todo custo, o meu lado "gay"! Seria impossível,
insípido e intragável imaginar diferente!
Publicado originalmente em 28 de junho de 2010