quinta-feira, 11 de abril de 2013

Contramão...

Foto: "Em contramão", de Francisco Araújo


Ando, temporariamente, impossibilitado para postagens inéditas. Como não gostaria de deixar de postar algo, hoje eu resgato um texto bem antigo.  Quando cursava Pedagogia, editava um "jornalzinho" mensal, o "Pirracinha", que era uma forma de brincar com a turma e costurar amizades. Vez por outra, também resolvia "desabafar" os traumas acadêmicos ou as incongruências vivenciadas, como é o caso do texto em questão. Embora o texto tenha tais conotações, ele permite extrapolações, basta que em lugar da "faculdade" se escolha outros lugares ou outras possibilidades: emprego qualquer, lugar qualquer, profissão qualquer, etc. Assim outras reflexões serão permitidas. E ainda, resgato o texto em razão do tema "Contramão", que ora confunde-se ao meu cotidiano.


       Inicie sua vida acadêmica numa instituição qualquer, fazendo um curso qualquer. Não importa o sonho! Procure o que parecer mais fácil, se houver. Ignore totalmente os desejos, ideais e convicções, isso só complica. Pague caro, estude pouco, aproveite o mínimo possível. Não beba nunca de qualquer “saber” que lhe for oferecido. Pode estar contaminado. Recuse, se for fácil. Depois espalhe por aí que o ensino é de péssima qualidade. Narre com riqueza de detalhes o rigor, a ausência de comprometimento, o exacerbado "mandonismo" a que foi submetido. Mas... faça isso com cuidado, para não parecer aos olhos dos outros que é falta de bom senso. Não polemize. Apenas relate o que sua "imaginação" permite  ver.

       Procure nunca demonstrar que o seu conhecimento sofreu alterações e reconstruções, que algo se aprendeu.  É que, na verdade, ninguém precisa mesmo saber disso. Procure falar somente das grotescas falhas e erros, como se elas nunca pudessem ser corrigidos, como se nada reclamasse cooperação.

       Demonstre coragem para falar de peito aberto, grite o mais alto que puder, contra o poder que você enxerga, contra o autoritarismo que você sente na pele, contra o sistema que lhe é imposto,  contra tudo e contra todos. Não olhe nunca para dentro de si mesmo, é perigoso demais. Há monstros e fantasmas soltos no tempo, loucos para se libertarem. Não escute a voz da razão, ela fere muito, às vezes, e nem sempre é compreendida. Não ouse participar de nada, não dê a menor colaboração, você pode passar por puxa-saco e isso seria horrível para a sua reputação, afinal,  não há porque "pagar mico".

       Rebata, com veemência, todas as críticas, pois você tem sempre razão, o outro  é apenas o outro. Rebata sempre, senão poderão pensar que é a sua incompetência que se expõe.

       Critique o professor,  ele é a extensão do sistema. Diga que ele  é fraco e despreparado, que não passa de um classificador de estigmas sociais. Entretanto,  faça isso só no cochicho, de forma velada, senão ele o perseguirá. Não dialogue. Jamais permita qualquer mediação. Nunca olhe no olho, é difícil dizer verdades olhando no olho. Ouvir então, é bem pior.

       Em todo e qualquer ambiente que frequentar, diga sempre o quanto é ruim o lugar onde você estuda e o quanto você paga. É claro que você não vai passar nenhuma idéia de masoquismo ou coisa parecida, é só para perceberem que, para você, dinheiro não tem tanta importância assim. Afinal, educação só vale a pena ser discutida quando se tratar de despesas, reclamações, gastos, preços, poder — nunca  como investimento. Nunca...

       Faça de cada prova ou exercício uma corrida desenfreada pela nota, reforce essa idéia sempre que puder, afinal, ao final o que interessa é o diploma, um canudo de papel. A sua competência é bem maior do que isso. Mas... será que todos sabem disso? Será que a sua fala permite a mágica da compreensão ao contrário, ao avesso? E suas ações? São perfeitas, num profissional perfeito? Isso é o que se pode afirmar?

       Faça sim, tudo isso e sem parar para pensar, muito menos permitir-se à reflexão. Seria um grande erro. A imbecilidade precisa resistir à transformação da humanidade. Quem sabe não seja você o  porta-voz  dessa moderna e maníaca tendência idiossincrática? Espalhe tudo isso!

       Depois se regozije ao receber um título honorário de imbecil. Ninguém ousará discutir o seu merecimento.

       Mais tarde, não se arrependa  de ser hostilizado, pois no mundo lá fora, ninguém goza de tamanha   e “palerma” benevolência a ponto de lhe conceder espaço,  oportunidade e emprego, só para mostrar que você é uma exceção; que você é muito... muito diferente.

       Fale mal, distorça verdades, abomine o nome da instituição, ridicularize o máximo que puder. Depois não se iluda quando o fulminarem com olhares "estranhos",  pois em verdade estarão vendo o que você falou,  encarnado na sua própria essência e no seu fazer.

       Só você não percebeu ainda que "Escola" não é fábrica de profissionais robotizados, é apenas um lugar onde se aprende, onde uma porta se abre ao infinito. E lá fora não existem muletas e nem escoras, é só você e o mundo; é só você e seu caminho. O compromisso com seu sucesso só dependerá de você, do seu esforço, do seu fazer,  do seu aprender  e de ninguém mais.

       Caso contrário, abra a porta e deixe a vida passar em frente... Acomode-se no tempo e submeta-se ao jugo da realidade  que se lhe apresentar. Afinal, a sua melhor recompensa é tão somente ser sombra, que nunca brilha ou aparece. É ser presença ofuscada, pedinte da boa vontade e da  capacidade do outro, que agora já é alguém.

       Então sorria. É seu destino: sorrir a máscara da vergonha.

11 comentários:

  1. Ser verdadeiro e expôr o que vc pensa causa danos numa sociedade onde o fingimento é norma. Abçs.

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  2. Pois é meu caro amigo Gilmar, seu texto me fez refletir sobre os nossos jovens, que hoje vivem sem muita perspectivas e acabam exercendo profissões sem muita convicção e vocação. Um belo e reflexivo texto, bom final de semana.

    forte abraço

    C@urosa

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  3. Meu querido
    Passei apenas para deixar um beijinho.

    Sonhadora

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  4. Ola Gimar, espero que muitos jovens leiam e amanhã muitos jovens e adultos mudem um pouco nosso país.

    Tenha um ótimo domingo.

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  5. Olá, amigo!
    Não sei há quanto tempo você cursou Pedagogia ou há quanto tempo você escreveu para o Pirracinha, mas esse texto é bem atual... atualíssimo!...
    Atual em todos os sentidos...
    Será que pouquíssima coisa mudou?
    Quase nada mudou? Ou até piorou???
    Então... bom fim de semana amigo!
    É claro, com tudo de bom!!!
    Beijinhos.
    Itabira - Minas

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  6. A situação é brava e bem brava quando se encara o mundo fora da universidade e esta nos prepara muito mal para isso.
    beijos

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  7. Oi Gilmar,
    Sendo professora, adorei o texto!
    Profundo e tão verdadeiro!
    parabéns,
    beijocas,
    Mari

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  8. Não estou conseguindo postar comentário.

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  9. Queridíssimo Gilmar! Li o texto inteiro pensando nas substituições possíveis e encontrei várias: relacionamentos, amizade, vida! Vi colegas de bancos escolares, colegas de trabalho, pessoas com quem interagi ao longo da vida! Já dizia minha mãe, não temos tempo para falarmos bobagens quando estamos ocupados! Pura verdade! Você, mesmo nos tenros anos, encantando, hein, querido amigo!!! Muito feliz de estar de volta à nossa piscina - Polo! Beijos, Deia
    PS: Amigo, fiz pela primeira vez um selinho do Rumo e ficarei encantada se puder aceitá-lo!

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  10. Olá, Gilmar
    Aproveito a sua postagem tão significativa e passo pra agradecer sua presença amiga e brihante em meu coquetel...
    Não esperava menos vindo de vc.
    Obrigado de coração.
    Seja feliz e abençoado!!
    Abraços fraternos e o meu carinho de sempre.

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  11. Gilmar
    Lendo seu texto voltei no tempo e percorri tantos momentos, tanatas lutas e cheguei a conclusão que fui imbecil e continuo sendo mesmo que hoje tenha sobrevido neste mercado, mas a duras penas...driblando as dificuldades e procurando as brechas para poder crescer e construir alguma coisa que hoje é o meu orgulho.

    Beijos e obrigado por nos proporcionar textos tão engrandecedores.

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