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Cavaleiro, de Francisco Lopes |
Monteiro Lobato
Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos
homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo
valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo
era João Teodoro.
Nunca
fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por
muito tempo não quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra
melhor.
Mas
João Teodoro acompanhava com aperto do coração o deperecimento visível de sua
Itaoca.
"isto
já foi muito melhor", dizia consigo. "Já teve três médicos bem bons —
agora só um e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para
um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui.
A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está
se acabando...."
"É
isso", deliberou lá por dentro. "Quando eu verificar que tudo está
perdido, que Itaoca não vale mais nada de nada, então arrumo a trouxa e boto-me
fora daqui."
Um dia
aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso
homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado ele!
Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava
capaz de nada...
Ser
delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seríssima. Não há cargo mais
importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que
vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado - e estava
ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!...
João
Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e
arrumando as malas. Pela madrugada botou-as num burro, montou seu cavalo magro
e partiu.
— Que é
isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens?
—
Vou-me embora —respondeu o retirante. —
Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim.
—
Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado eu não moro.
Adeus.
E
sumiu.
Monteiro
Lobato. Um Homem de Consciência, in Cidades Mortas. Editora
Brasiliense. São Paulo, 1965, pp. 185-186.