Meus Rabiscos
O espelho e seus avessos, seus
efeitos quase imperceptíveis, que aos olhos assombram, porque a alma se desnuda
na solidão do olhar…
Quanta distância do espelho! A
imagem não guarda “parecença” alguma, desbota-se, desfigurada e estranha.
Tantas vezes parece outra pessoa,
outro sujeito estático, inerte sem entender quem afinal é o protagonista. Quem
é o outro? Quem é quem? E o que cada um quer do outro?
Os traços não se parecem com os
pensamentos. As ideias, concepções e sentimentos desconhecem a forma da face…
os olhos sofrem mais… eles se deparam com evoluções que não sabiam, ou que
talvez se recusassem enxergar.
O engraçado é que não houve um
dia sequer que os olhos não viram… pentearam, sorriram, choraram, procuraram
sinais, lidaram com espinhas, vibraram com a barba, cutucaram a autoestima,
desvaneceram ante tristezas, prostraram-se cabisbaixos no fracasso e se
impuseram eufóricos no sucesso, nas conquistas comungadas. Noutras vezes,
porém, intimidaram-se ante gritos emudecidos nos solilóquios ermos...
O espelho testemunhou
desencontros consigo mesmo, como este de todo dia, de "senões" inócuos,
esvaziados na razão, mergulhados na emoção, na loucura de uma transe, hipnótica
e desconexa.
Ele também consolou quando
nenhuma palavra pudesse ao menos ser balbuciada, conversou silenciosamente com
os olhos, usando-os como pista escorregadia e sinuosa, um atalho para a mente
insana e desprotegida da maturidade.
De frente, sem adereços e
alegorias, sem dissimulações… Difícil olhar nos próprios olhos, literalmente, e
fugir de verdades ou fingir … talvez por isso aquela fala de John McKay, de que
“eu acredito no teste do espelho. Tudo o que importa é se você pode olhar no
espelho e dizer honestamente à pessoa que vê que você fez o melhor”.
E o outro espelho, o da vida,
também tem reflexos dispersos, incompletos da imagem visualizada, incertos,
duvidosos se a imagem distorcida é de autoria sabida ou se é imagem propagada
em deserto ardiloso.
Traçados longínquos, espaços
imensos, buracos profundos de incongruência, desencontros iminentes! Mas também, de uma inexplicável beleza, de afetividade gratuita, de cumplicidade inimaginável, de presença impensada, de vida esperançada no outro, no passo a ser dado...
Tempestades anunciadas, clamando
por ventos que esparramem o negrume tosco... Travando, desesperadamente, lutas
incansáveis por nuvens calmas entremeadas por um sol resplandecente, desses de
ofuscar o medo e recobrar o fôlego!
É o espelho dos refazimentos de
cada dia... de hoje... de amanhã...
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