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Foto de Sandro Silva - Amanhecer na Candelária-RJ |
Na inelutável necessidade do amor (era quase primavera),
pombo e pomba marcaram um encontro galante quando voavam e revoavam no azul do
Rio de Janeiro. Era bem de manhãzinha.
—Às
quatro em ponto me casarei contigo no mais alto beiral —disse o pombo.
—
Candelária? — Perguntou a noiva.
—Do
lado norte — respondeu ele.
—Tá —
assentiu com alegria e pudor a pomba.
Pois,
às quatro azul em ponto, a pomba pontualíssima pousava pensativamente no
beiral. O pombo? O pombo não.
A
pombinha, que era branca sem exagero, arrulhava, humilhada e ofendida com o
atraso, contemplando acima do campanário todas as possibilidades da
rosa-dos-ventos. Mas na paisagem do céu voavam só velozes andorinhas garotas,
porque as andorinhas mais velhas enfileiravam-se nas cornijas, pensando na
morte, como gente fina, lá dentro, nos dias solenes de missa de réquiem.
Quatro
e dez. Quatro e um quarto. Uma pomba sozinha à mercê quem sabe de um gavião,
lendário mas possível. Sol e sombra. Como custa a passar um quarto de hora para
uma noiva que espera o noivo no mais alto beiral. Como a brisa é triste. Como
se humilha em revolta a noiva branca.
Ah,
arrulhou de repente a pomba, quando distinguiu, indignada, o pombo que chegava
caminhando pelo beiral mais alto, do outro lado, lá onde, um pouco além,
gritavam esganadas as gaivotas do mar pardo do mercado. Irônica, perguntou a
pomba:
—
Perdeste a noção do tempo?
—
Perdão, por Deus, perdão — respondeu o pombo — Tardo mas ardo. Olha que
tarde!...
— Que
tarde? — perguntou a pomba.
— Que
tarde! Que azul! Que tarde azul!
— Mas e
eu? — disse a pomba — Sozinha aqui em
cima!
— A
tarde era tão bonita —disse o pombo gravemente
— a tarde era tão bonita, que era um crime voar, vir voando.
— Mas e
eu?! Eu!? — queixava-se a pomba.
— A
tarde era tão bonita — explicou o pombo com doce paciência — que eu vim andando, que eu tinha de vir
andando, meu amor.
Paulo Mendes
Campos. O Pombo Enigmático, in Quadrante.
Editora do Autor, Rio de
Janeiro, 1962, pp. 93-94.