segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Felicidade Realista

Outros Autores



A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos.

Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis. 


Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica e uma temporada num spa cinco estrelas. 

E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.

É o que dá ver tanta televisão.


Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Ter um parceiro constante, pode ou não, ser sinônimo de felicidade. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com um parceiro, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio.


Dinheiro é uma bênção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo, usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado. E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade.


Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável. Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno.

Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz mas sem exigir-se desumanamente. A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo. 

Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade. Ela transmite paz e não sentimentos fortes, que nos atormenta e provoca inquietude no nosso coração. Isso pode ser alegria, paixão, entusiasmo, mas não felicidade.
Martha Medeiros

domingo, 20 de novembro de 2016

Lábios que vigiam os olhos...

Meus Rabiscos
Nossa incontroversa sanidade, por vezes,
se vê atropelada por desatinos que os olhos
insistem anunciar como possíveis...
Quem disse de tal ilegitimidade
desconhece lugares de inconfessos
desejos e vontades...

Optamos, tantas vezes, por apequenar
a ousadia...

Optamos por cega-la, em nome de
"sei lá tantas coisas"!!

Depois, tempo ido, que não retorna mais
ao ponto da momentânea insanidade,
resta o quase nada do enfadonho e
acovardado "se"...

E os olhos, que tanto insistiram vigiar os lábios,
bem diante da tal insanidade,
se vestem então de mirabolantes sonhos...
solilóquios emudecidos na incerteza...

Os lábios não anunciaram...
Temeram os olhos...
Vigiaram... Foram vigiados... Perderam... 


segunda-feira, 14 de novembro de 2016

O Frio

Metáfora



Seis homens ficaram bloqueados numa caverna por uma avalanche de neve. Teriam que esperar até o amanhecer para poderem receber socorro. Cada um deles trazia um pouco de lenha e havia uma pequena fogueira ao redor da qual eles se aqueciam. Se o fogo apagasse - eles sabiam -, todos morreriam de frio antes que o dia clareasse.

Chegou a hora de cada um colocar sua lenha na fogueira. Era a única maneira de poderem sobreviver. 


O primeiro homem era um racista. Ele olhou demoradamente para os outros cinco e descobriu que um deles tinha a pele escura. Então ele raciocinou consigo mesmo: 


— Aquele negro! Jamais darei minha lenha para aquecer um negro. 


E guardou-a, protegendo-a dos olhares dos demais. 


O segundo homem era um rico avarento. Ele estava ali porque esperava receber os juros de uma dívida. Olhou ao redor e viu no círculo em torno do fogo bruxuleante, um homem da montanha, que trazia sua pobreza no aspecto do semblante e nas roupas velhas e remendadas. Ele fez as contas do valor da sua lenha e enquanto mentalmente sonhava com o seu lucro, pensou: 


— Eu? Dar a minha lenha para aquecer um preguiçoso? Não o farei. Vou guarda-la comigo. 


O terceiro homem era um negro. Seus olhos faiscavam de ira e ressentimento. Não havia qualquer sinal de perdão ou mesmo aquela superioridade moral que o sofrimento ensina. Seu pensamento era muito prático: 


— É bem provável que eu precise desta lenha para me defender. Além disso, eu jamais daria minha lenha para salvar àqueles que me oprimem. 


E ele também guardou suas lenhas com cuidado. 


O quarto homem era um pobre da montanha. Ele conhecia mais do que os outros os caminhos, os perigos e os segredos da neve. Ele pensou: 


— Esta nevasca pode durar vários dias. Vou guardar minha lenha. 


O quinto homem parecia alheio a tudo. Era um sonhador. Olhando fixamente para as brasas. Nem lhe passou pela cabeça oferecer da lenha que carregava. Ele estava preocupado demais com suas próprias visões (ou alucinações?) para pensar em ser útil. 


O último homem trazia, nos vincos da testa e nas palmas calosas das mãos, os sinais de uma vida de trabalho. Seu raciocínio era curto e rápido. 


— Esta lenha é minha. Custou o meu trabalho. Não darei a ninguém nem o menor dos meus gravetos. 


Com estes pensamentos, os seis homens permaneceram imóveis. A última brasa da fogueira se cobriu de cinzas e finalmente se apagou. Ao alvorecer do dia, quando os homens do Socorro chegara à caverna, encontraram seis cadáveres congelados, cada qual segurando um feixe de lenha. Olhando para aquele triste quadro, o chefe da equipe de Socorro disse: 


— O frio que os matou não foi o de fora, mas o frio que veio de dentro. 

Do livro: As 100 mais belas parábolas de todos os tempos 

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Quase...

Outros Autores



Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase. É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi. Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou. Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas ideias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.

Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cór, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados. Sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz. A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai. Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza. O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.


Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência porém,preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer. Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance. Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar. Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.



Sarah Westphal